domingo, 26 de outubro de 2014


A 2easy entra no mercado das energias renováveis.
 “Desidratador Solar de Maçã Reineta” tem “0” emissões de CO2, Pegada Ecológica Verde, utiliza uma energia renovável abundante e gratuita, “trabalha” sem vigilância, não sendo necessária a intervenção humana para o seu funcionamento, proporciona um alimento livre de quaisquer gorduras, hidratos de carbono ou açúcares, podendo ser comido de manhã, à tarde ou à noite, em restrições médicas. Apenas se recomenda contenção ao polvilhar com canela.
Um detalhe importante: Só funciona com Maça Reineta de Fontanelas (vá-se lá saber porquê...).
Construído de raiz com um superorçamento e projecto patrocinado pela 2easy, Uma imobiliária, Duas Soluções, estes materiais utilizados, após longa pesquisa nos “calhamaços” da Internet, contou com 4 tábuas de casquinha, um sarrafão de pinho bichado, 2 placas de contraplacado, um vidro reutilizado (que determinou o tamanho da geringonça), meio kilo de parafusos e cinquenta pregos fasquiado 3. Ah, já me esquecia; um pedaço de serapilheira para manter os mosquitos afastados, à falta de rede mosquiteira, e algumas horas na garagem a serrar e pregar.
Poderá ser visto e apreciado no 2º Festival da Maçã Reineta de Fontanelas, a decorrer este fim-de-semana na URDFG de Fontanelas e Gouveia.

Quem disse que as coisas simples não têm piada?


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Nem tirou o capacete...

“Nem tirou o capacete...”

Tenho saudades do Tó Pê.
Só o costumava ver duas ou três vezes por ano, quando cá vinha cheio de saudades das coisas simples que Fontanelas tem. Revia a família e “carregava baterias”. Quando chegava, independentemente da hora, tinha um ritual há tantos anos quantos estava no estrangeiro. Antes de ir para casa da mãe, ia regalar as vistas e tomar um banho de maresia e de mar à Praia da Aguda. Tinha, obrigatoriamente, que sentir a Praia da Aguda.
Não era mau diabo, antes pelo contrário. Se existia alguém com valores morais, pessoais e filosóficos, era o Tó Pê.
O Tó Pê nasceu em Fontanelas no início da década de 60 e foi um dos símbolos dessa geração. Faleceu prematuramente muito novo, na casa onde cresceu, em casa da mãe. António Pedro Borlido, de alcunha o Tó Pê, depressa seguiu as pisadas do seu falecido pai na descoberta do mundo além-fronteiras. Do avô António Pedreiro herdou a veia comunista, por si próprio desenvolveu a contestação, a irreverência, o sentido revolucionário, o que lhe valeu alguns dissabores na sociedade Fontanelense, à data ainda muito pouco tolerante em relação à diferença. Numa aldeia como Fontanelas, sob muitos aspectos fechada, o aconchego a alegados valores morais, religiosos e bafientos “bons costumes”, toldam a visão e escamoteiam a evolução, inevitável e irreversível.
Tinha vontade de ser diferente, de fazer o que as suas crenças lhe ditavam, de ter a liberdade que achava que devia ter. O Tó Pê era único. Numas das nossas últimas conversas, no bar do Janeca em 2007, o Tó Pê estava feliz, tinha os filhos na boa, a estudar e a trabalhar, na sua vida pessoal fazia o que queria, estava ligado à dança e andava a aprender a tocar uma espécie de acordeão de madeira. Também participava em associações culturais, fazia work-shops de dança, fazia o que realmente gostava: interagir, brincar, ensinar e gostar de pessoas.
O Tó Pê não era o típico emigrante empurrado pela vontade de vencer e ter condições financeiras mais favoráveis. Era aventureiro. Gostava de ser livre e correr mundo, apenas pelo prazer de conhecer novas pessoas, novas culturas, novas gentes.
O Tó Pê sempre foi um “lobo solitário”. Sempre fez o que lhe ia na alma e sem “dar cavaco” a ninguém. Na sua juventude e antes de ir para fora, sempre andou sozinho, avesso ao sentido de manada, à “Maria-vai-com-as-outras” que caracteriza a maior parte de todos nós, a nossa sociedade. A preocupação da Sra. Manuela, sua mãe, nunca o impediu de “correr mundo” e estar temporadas fora, a partir dos 17 ou 18 anos.
O Tó Pê tinha piada. Arranjava uma treta qualquer, uma conversa qualquer que todos sabíamos ser treta para nos rirmos. Fazia parte da sua forma de estar e de ser. Qualquer conversa em grupo tinha, invariavelmente, que meter risota e boa disposição. A palavra que caracterizava mesmo o Tó Pê era “alegria”. Era uma pessoa alegre, apesar de ter sofrido algumas agruras ao longo da sua vida.
Gostava de contar anedotas e mentiras teatrais, daquelas que toda agente sabia que era mentira, mas contadas com arte e engenho. Gostava de rir e fazer rir.
Certa vez chegou ao pé da malta na sua moto todo lampeiro e arranjou logo uma mentira, na hora.
Começou por dizer que tinha conhecido uma rapariga que andava de mota na Praia das Maçãs. Conversa mete conversa, era de Sintra, tinha 20 anos, não tinha namorado, uma coisa leva a outra e acabaram na praia, “confortavelmente”.
Epá, deu caldinho?” perguntou o Varetas.
Deu pois” respondeu o Tó Pê.
E a gaja, era bonita?” perguntou o Coutinho?
Responde o Tó Pê: “Epá, nem reparei. Não tirou o capacete...”


Boa, Tó Pê. Enquanto cá estiveste, viveste em pleno...

domingo, 12 de outubro de 2014

A Praça de Sintra

“A Praça de Sintra”
Desde miúdo que comecei a ir para a Praça de Sintra com o meu pai.
Nas madrugadas de Verão de 1978 saíamos às 3 da manhã com a Ford Transit “café-com-leite” novinha em folha, DV-29-21, completamente carregada. Encostávamos com a venda junto ao portão do número 13 da rua Ulisses Alves, em frente à vivenda “O Meu Cantinho”, paredes meias com a Praça de Sintra.
Cenoura e Feijão-Verde eram a principal seara cá da casa. Produzíamos mensalmente nos meses de Verão várias toneladas que, invariavelmente, me passavam pelo lombo, saco a saco, madrugada após madrugada até retornar às aulas no início de Outubro.
Segundas e Quintas eram dias de colheita. O pessoal cá da casa e vizinhas contratadas apanhavam, um a um, o feijão-verde no meio da densa e verdejante folhagem. As cenouras colhiam-se com o “engaço” do Zé Bacalhau. Após separadas da rama eram lavadas, ensacadas e pesadas. Cada saca era pegada mais de dez vezes até estar, finalmente, entregue no carro ao cliente.
Merceeiros madrugadores das redondezas que se iam abastecer ao mercado grossista eram a nossa freguesia. O Ti Zé Galego, minhoto de Melgaço e fumador inveterado de Português suave sem filtro; O Lopes de Rio de Mouro; as Primas das Lameiras e um sem número de fregueses compunham a freguesia habitual. Conhecia-lhes os carros todos e melhor os porta-bagagens, onde aterravam as sacas de cenoura e feijão-verde.
Nos meus 14 anos era uma verdadeira esponja a absorver tudo o que me rodeava.
O cheiro de uma praça de legumes é único, fresco, limpo, transparente, alegre. A minha memória olfactiva inebriou-se recentemente na zona dos legumes do Mercado Abastecedor Região de Lisboa. Lá estava ele, o cheiro. O cheiro intenso do alho francês misturado com o adocicado odor dos coentros, cenoura e hortelã. Vida!
Na Praça de Sintra as pessoas eram genuínas, transparentes e sinceras. A oferta e procura eram diárias e permanentes, naturais e desinteressadas, abundantes e presentes. A conversa era sobre tudo e mais alguma coisa, directa e objectiva. Cada um sabia quem era e quem tinha à sua frente. Não havia máscaras sociais.
A Praça de Sintra era um autêntico “microclima” humano. Ali se cruzavam todos os tipos de pessoas originárias dos mais diversos pontos. Agricultores da zona saloia, merceeiros das redondezas, revendedores da zona Oeste e os “habitués”, pessoas que só lá iam de madrugada pelo gosto de viver o bulício da Praça. Também outros começavam as “hostilidades matinais” na Tasca da Teresa com os bagaços, abafadinhos e brancos traçados, engarrafados vezes sem conta nas usadas garrafas perfiladas na prateleira de madeira escura de tanto baptismo.
Às seis da manhã abria o edifício da Praça. A pé desde as 3 e quase com meio-dia de trabalho, estava na hora de repor as energias com uma sandes de queijo da ilha e um fumegante café-de-saco servido num pesado e riscado copo de vidro, típico recipiente adoptado pela Teresa  da Tasca. Delicioso. Nunca mais consegui o mesmo paladar em lado nenhum.
Naqueles dez minutos de merecido descanso entravam e saíam, como que cumprindo um ritual definido, clientes à vez repondo o combustível necessário para, nas noites mais frescas, acalorar os corpos curvados da idade. Cúmplices trocas de olhar bastava para que as bebidas surgissem como que por magia no poroso balcão de mármore gasto pelos anos de sucessivas madrugadas cumpridas.
Nesse cortejo matinal, destacava-se um casal na casa dos 60. O Sequeira e a sua esposa, donos de uma pacata mercearia de Sintra. O Sequeira, de estatura mediana e altivez constante, contrastava com a sua baixa e engelhada esposa. Cumpriam religiosamente a rotina matinal. Tasca da Teresa, voltinha à Praça. Tasca da Teresa, voltinha à Praça ... .
Ele conversador, jovial e presente. Resistente da moda do bigode à “Clark Gable”, espalhava boa disposição na madrugada ensonada. Ela calada e azeda. Ele de mãos nos bolsos das calças de sarja coçada, boné aos quadrados, casaco de fazenda cinzento e bota de cabedal. Ela de Xaile da cabeça aos pés. Só se viam os olhitos, o nariz e um ralo bigodito. Ele queria comprar Feijão-verde, Cenouras, Pepino, Alho-Francês e Couve-Flor. Ela não.
Na negociata dos legumes falava o Sequeira e sempre com autoridade:
Ó Camacho, a como é que está hoje o feijão-verde?” Indagava dirigindo-se ao meu pai.
O sotaque beirão adquiria especial ênfase na voltinha da Tasca:
Ó Teresa. Bota aí um copito para mim e meio para a minha senhora.” Dizia o Sequeira olhando de soslaio para a sua mulher inchando a peitaça. De imediato era fuzilado com os olhos, adivinhando uma ameaça velada. Emendava num ápice: “Enche os dois, enche os dois...”.
E a Teresa enchia...



Esqueci-me do cachorro no porta-bagagens por 15 dias.

“Esqueci-me do cachorro no porta-bagagens por 15 dias.”
José Valentim Lourenço, de alcunha o Zé Massano.
Certamente a figura mais carismática das aldeias de Fontanelas e Gouveia.
Muito para escrever. Tarefa árdua sintetizar quem era o Zé Massano em meia dúzia de linhas.
Figura central das duas aldeias até 2002 ano em que, prematuramente, faleceu.
Era um lunático bom. Um despistado em pessoa. Uma pessoa fora do tempo. Fazia só o que queria, como queria e o que gostava.
Sempre gostou de animais. A sua Quinta estava sempre recheada de bicharada, mas era tão despistado que uma vez quando lhe deram um cachorro na Malveira, pô-lo na mala do carro, esqueceu-se e lá ficou durante 15 dias.
Todos quanto estávamos a ouvir ficámos estarrecidos. Era uma falta terrível, um animal, sem água, sem comida, o calor...
E o que é que aconteceu ao cachorro?” Perguntou o Mascarenhas.
Meteu-se outra conversa qualquer, alguém chegou com uma piada, qualquer conversa com o Zé mudava repentinamente ao sabor do seu raciocínio.
Tudo o que dizia tinha piada. A Piada vinha sobretudo da expressão corporal, dos gestos, da intensidade e do tom de voz. A graça com que dizia as coisas, a forma como contava, o ar alucinado, os olhos esbugalhados plenos de convicção, a capacidade de rir de si próprio, enfim, tudo isto e muito mais, fizeram dele uma figura incontornável das nossas aldeias, da nossa freguesia, do nosso concelho, ...
Mas o que é que aconteceu ao cachorro?” Perguntou outra vez o Mascarenhas.
Espera!!!”.
O Zé era muito guloso. Por chocolates, “nougats”, gelados, coisas doces. Em 2000 estivemos na direcção da União Recreativa e Desportiva de Fontanelas e Gouveia e, como habitualmente, cabia-nos a preparação da Festa da Páscoa. Durante essa preparação e nas sucessivas reuniões, descobrimos num armário dois sacos grandes de “nougats” fora da validade mas, aparentemente, bons para consumo. O Zé andou, mirou, cheirou, provou, comeu e “limpou-os” todos em meia dúzia de reuniões. Qual validade, qual caraças. Sempre que olhávamos para o Zé estava ele a desembrulhar o barulhento plástico amarelo desculpando-se, invariavelmente, com qualquer treta arranjada à pressa para todos se rirem.
 “Mas o que é que aconteceu ao cachorro?” Perguntou mais uma vez o Mascarenhas.
Qual cachorro?”
“O que ficou na mala do carro por 15 dias!”
Durante muitos anos e antes de ter o talho, o Zé Massano comprava vitelos e gado de leite nas aldeias, vendendo-os de seguida na Feira do Gado, na Malveira. Era prática corrente as famílias terem gado de curral, fornecedores de leite e vitelos, para além do importante estrume, abundante e barato adubo natural para as terras, depois de curtido.
Em minha casa tínhamos um curral com lugar para 5 vacas, uma burra e duas ovelhas. No palheiro contíguo assisti, em miúdo, a um negócio de uma vaca que os meus avós tinham para venda. Lá em casa quem negociava era a minha avó Gertrudes até o meu pai assumir a parte comercial. O meu avô Labareda, Domingos Francisco Franco de alcunha “Tanoeiro”, nunca se ajeitou para negociar nem que fosse um copo de vinho. Dava tudo. Uma desgraça!...
Ó Ti Gertrudes. A vaca só vale 3 contos e quinhentos. É muita nova e ainda não pariu”. Dizia o Zé Massano, argumentando no negócio.
Ripostava a minha avó - “Chega-lhe o boi que ela enche. É da maneira que pega bem.”
Mas a primeira barriga não presta. Morre tudo antes de nascer”. Dizia o Zé.
A vaca vale 4 contos. Está aparelhada como deve ser, não tem ferro e come bem. Dá 5 litros de leite cada mugidela e não pega com as outras”, Ripostava a Ti Gertrudes já a ficar afinada.
Ó Ti Gertrudes. Quatro contos é muito. Depois não sou capaz de a vender a ganhar cem mil réis. Para a conta ficar como deve de ser, a gente divide a coisa a meias e ficamos por aí. Três contos, setecentos e cinquenta escudos e a gente chega a negócio.” Argumentava o Zé.
Mas tu deste 4 contos pela vaca da Maria Mariana a semana passada”. Teimava a minha avó.
Ripostava o Zé - ”Mas era uma vaca feita com quatro barrigas e a dar 15 litros.”
E esta há-de lá chegar. ” mantinha a Ti Gertrudes.
Horas naquilo. Não sei se a vaca foi vendida nem porque preço. O que é certo é que o Zé me disse, 30 anos mais tarde, que “não gostava de negociar com a Ti Gertrudes porque que ela era muita teimosa. Queria levar sempre a dela avante.” Dois teimosos...
 “Mas o que é que aconteceu ao cachorro, pá? ” Inquiriu novamente o Mascarenhas.
Epá, tu és mais chato que a potassa!”
Mas diz lá o que aconteceu ao cachorro”...
Qual cachorro?”
O que ficou na mala do carro por 15 dias!!!!!”
Ahhhhhh. Olha, levei-o para casa.”
Mas morreu?” Inquiriu o Mascarenhas.
Nãaaa. É de louça!

O Zé Massano era assim. Nunca se esgotava. Uma caixa de surpresas e uma risota pegada...  

Telefonia sem licença.

“Telefonia sem licença”
Domingos da Silva “Carrenquita”, ou “Esguicho”.
Personagem digno de referência em qualquer parte. Nunca nada nem ninguém o fez ficar sem resposta. Falava rápido e com resposta na ponta da língua.
Não o conheci, já que faleceu antes de eu nascer. Contudo é figura que vem bastas vezes à conversa quando se quer ter piada e apresentar um exemplo. Conheço os descendentes vivos, e conheci os falecidos, quase todos com a mesma resposta directa e mordaz. O falecido “Patíco” ou Pé-De-Chumbo, Francisco Rodrigues da Silva de seu nome, era o que se podia apontar como sendo uma pessoa com graça genuína, impar. Trabalhava com uma junta de bois, salvo erro herdada do pai, o Galante e o Formoso, animais para amanho das terras antes da entrada em cena dos tractores. Foram a última junta de bois de Fontanelas e Gouveia. Ainda me lembro da chamada aos animais “Ó Galante, ó Formoso”, quando queria comunicar com eles, dar-lhes alento, confortá-los.
Também Henrique Rodrigues da Silva, de alcunha entre dentes “Caricoso”, Riques na sua presença,  meu vizinho de 50 anos, porta com porta, carteiro reformado e barbeiro enquanto as pernas e a  vista o permitirem, sempre com uma conversa engraçada e um ditote apropriado. Enquanto miúdo fui quase criado por ele e pela a Ti Isabel, mulher do Ti Riques. Quando ao Domingo de manhã atravessava o caminho para casa deles, ia directo à “Casa das Barbas” a assistir à conversa dos velhotes que lá iam cortar o cabelo e fazer a barba. O meu avô Domingos Tanoeiro, o Henrique Borracho, Lourenço Maçanico, o Domingos Carrombão, falavam entre si se o tempo ia “à chuva”, “borriçava” ou “ia para Nordeste”. Com sete anitos ninguém me calava. O Ti Riques, farto de me ouvir, perguntava: “Queres ganhar 5 Tostões?” “Quero, Ti Riques.” respondia eu. “Então deixa-te estar calado”, fechava o Ti Riques.
O Domingos “Carrenquita” era assertivo e mordaz na argumentação e discurso, ninguém lhe conseguia dar troco verbal, em qualquer que fosse a situação.
No tempo da guerra em que a fome apertava, era comum os rapazes e raparigas de famílias numerosas irem “servir” para casas de famílias abastadas, aliviando a mesa da cozinha. Normalmente não ganhavam nada, apenas sopas de pão, uma manta carregada de pulgas, umas calças com fundilhos e um pontapé no cú. 
Quando um dos filhos aos 9 anos foi servir para Janas para casa do Minguitos Bordalo, este ficou espantado quando ouviu do Carrenquita: “Não é preciso dar de comer ao rapaz”.
 “Ah não? inquiriu o Minguitos.
 Remata o Carrenquita “É só pôr à frente que ele come sozinho”.
Noutra ocasião andavam os fiscais à procura de quem tinha telefonia sem licença. Quem não tivesse licença a telefonia era confiscada, com direito a apreensão imediata.
Vinha o Carrenquita a caminho da Taberna da Viúva, estavam os fiscais na mercearia. Abordaram-no e perguntaram se ele tinha telefonia. Responde: “Tenho sim, senhores.” “E tem licença?” perguntaram. “Não senhores, não tenho.” retorquiu o Carrenquita.
Como é que se chama e onde mora?”- perguntaram.
Chamo-me Domingos da Silva “Carrenquita”, mais conhecido pelo “Esguicho” e moro em tal parte.” Vão andando que eu já lá vou ter”.
Assim foi. Foram andando e perguntando e lá chegaram, quase ao mesmo tempo que o dono da casa.
Ao chegar à porta perguntaram: ”Então onde é que está essa telefonia?”
Grita o Carrenquita: “Ó Maria Domingas”.
Sai de lá a Maria Domingas a ralhar com ele quanto podia: “O gado está todo para tratar, foste para a taberna, não tiraste a cama aos bois, as vacas para mugir, és um malandro, só pensas em beber vinho, ... “ .
Vira-se o Carrenquita para os fiscais: ”Aqui está a telefonia! Não tem licença, não se cala, toca alto e podem levá-la quando quiserem”.

Mas ficou...

Beba à vontade e sem medo.

Beba à vontade e sem medo
Propriedade do Ti Zé e da Ti Firmina, o “Café do Zé” foi, durante várias décadas e até 1981, o centro da aldeia de Fontanelas.
As tabernas perderam clientela nova e fresca para o café, mais inovador, com oferta moderna, como bica, bagaceira ou brandi fino. O cheiro a vinho retardado, associado a uma clientela mais rústica e pouco exigente, afastava esta nova vaga de freguesia ávida por bebidas finas, bolos quentes e gelados Olá.
Era no café do Zé que miúdos, graúdos, veraneantes e outra gente se encontravam. A esplanada sobranceira à estrada era uma autêntica torre de vigia e não permitia que alguém passasse por Fontanelas sem ser objecto de controlo apertado. Era aí que todos se encontravam e iniciavam a malandragem juvenil, os primeiros copos, os primeiros namoricos, os primeiros cigarros Mata-Ratos.
Autênticos torneios de futebol se deram na esplanada e na rua principal, em frente. Quando vinha a GNR, cuidado. Dava direito a multa de 33 escudos por jogar à bola na via pública. Também a “casa dos bonecos”, como era chamada a sala dos matraquilhos e das máquinas “flipper”, iniciou a miudagem toda na arte de fumar às escondidas, bater caricas para substituir moedas de 10 tostões ou roubar as máquinas electrónicas, quer fosse com um arame de fardo no moedeiro ou com um berbequim manual.
Roubar pastilhas, gelados e bolos da montra também fazia parte das habilidades dos miúdos mais atrevidos. Os pastéis de nata feitos pela Ti Firmina davam um “bigode” a qualquer “Pastel de Belém” mais afamado, sem direito a tornas. O Ti Zé era polivalente e palmilhava quilómetros a arrastar os pés, ininterruptamente, acudindo às mesas ou ao balcão. Quando o Suca pediu se podia mudar para o segundo canal o Ti Zé perguntou, pondo a mão atrás da orelha: “Fresca ou Natural?”.
O “Menino”, carinhosa alcunha do Alberto e único filho do casal, também lá trabalhava afincadamente, embora muitas vezes ausente por “má disposição”, alegava a Ti Firmina.
O café do Zé era, para além de “café”, um conhecido e afamado restaurante, onde o Cozido à Portuguesa era rei, sem menosprezar o Cabrito ou o Bacalhau. Longas filas anteviam uma generosa refeição em qualquer Domingo solarengo de Janeiro a Dezembro.
O Staff era numeroso e familiar. Uma grande parte da juventude de Fontanelas e Gouveia, masculina e feminino, passou por lá a trabalhar aos fins-de-semana ou no Verão. Aqui se fizeram bons profissionais que seguiram o seu caminho na restauração ou noutra qualquer área profissional, sempre com a bênção do Ti Zé e da Ti Firmina, autênticos patriarcas do bom acolhimento e da boa-vontade com os clientes e com os empregados.
Das oito à meia-noite, sete dias por semana, quatro semanas por mês, doze meses por ano.
Muito deram o Ti Zé a Ti Firmina ao lazer de milhares de pessoas de sucessivas gerações que passaram pelo Café do Zé e dele disfrutaram. Tanta dedicação só podia gerar no sucesso que gerou enquanto restaurante, até e após encerrar como café em 81.
Tive o previlégio de trabalhar com o Ti Zé no Café Coreto ao longo de centenas de duras horas de trabalho, sem que lhe possa apontar o que quer que seja.  
Provavelmente só quem tiver mais de 50 anos se lembrará de uma quadra escrita nuns velhos azulejos rachados, mantidos unidos por uma moldura de sólida madeira escura. Transmitia confiança ao freguês mais medroso, dissipando receios de uma possível “cadela” causada pela abusiva ingestão de bebidas alcoólicas. Engalanava a parede junto à televisão, mesmo por cima da mesa de tampo metálico onde, habitualmente, o Dr. Tavares passava longas tardes a ler calhamaços técnicos, a fumar “I Life” e a bebericar cálices de brandy “Mosca”.
Contudo, a quadra não era totalmente verdadeira, ou por outra, reflectia precisamente o inverso da prática vigente, ou seja:
Beba à vontade e sem medo - Ninguém podia beber à vontade e sem medo, cuidado porque a bebedeira era certa.
Se ficar de grão na asa - Era uma certeza ficar de grão na asa e não “se”.
A gente guarda segredo - No dia seguinte já todos saberiam, qual segredo, qual carapuça... .
E vamos levá-lo a casa  - Levá-lo a casa, népia. Curtia a bebedeira no local ou ia pelo próprio pé. Havia ainda a hipótese de uma alma caridosa pegar no carrinho do gás e carregar até casa o necessitado.

Beba à vontade e sem medo!!!
O que será feito desta histórica moldura com os azulejos rachados?
Ainda sinto o cheiro da “casa dos bonecos”. Um misto de óleo dos matraquilhos, fumo de tabaco e barris de vinho.

As coisas que me vêm à cabeça....

Maçã podre cai sozinha.

“Maçã podre cai sozinha”
Em Fontanelas e Gouveia, grandes zangas se deram por questões de partilhas.
Famílias inteiras cortaram relações por questões relacionadas com a divisão da herança dos pais e avós. Era comum caminharem para Sintra em disputa de uma extrema de meio palmo  ou três pinheiros mansos. Qualquer coisa que não estava em modos, tribunal., quando não terminava tudo com uma sacholada nas fontes.
Gastavam dez vezes o valor da herança em advogados tarimbados nestas disputas de aldeia e iam sendo chupados a troco da promessa de que iriam ganhar a acção. Somavam-se as perdas de meios-dias a caminhar para o advogado, de chapéu na mão e passo acautelado. O ego não perdoava e sair vitorioso era a paga maior, independentemente do custo. Era um ponto de honra levar de vencida a contenda. Era preciso que a aldeia ficasse a saber quem tinha razão!
 “Não queres lá ver que o teu irmão quer o pinhal? Queria mais nada, não?” Dizia a Bombarda ao Tóino Marreco em jeito de aviso, não fosse o marido prometê-lo ao irmão.
Se ela olha mais alguma vez assim para mim, vou-lhe à cara”, dizia a Clotilde ao Chico Gordo depois das picardias no enterro da sogra por causa do cordão de oiro.
O Zé Rabeca foi ameaçado de forquilha pela Marieta, depois de lhe dizer que só ficava com a Terra do Alto se o matasse. Esteve quase...
Já a coitada da Lisete teve que fugir. Se não desse um pulo para o lado, o João Manias, que era cunhado, passava-lhe com o tractor por cima por causa de uma talha de barro, em disputa ia para 6 anos.
No meio de tanta picardia, existiam alguns que simplesmente deixavam as coisas correr, quer por não terem posses para litígios, serem pessoas mais pacatas ou simplesmente não era da sua índole gerar discórdia e criar conflitos.
O Tóino Marreco, opinioso e banana, a aturar a Bernarda há mais de 30 anos, que era cabra como tudo (em vez de ser duas casas estragadas foi só uma), quando os velhos fecharam os olhos e tocou a partilhas, prepararam tudo para ficar com as Terras de Semeadura, Pinhais e Pomares de Maçã Reineta, afastadas da aldeia mas com bom rendimento. Valiam muito mais do que Serrados, Quintais e bocados cheios de pedra dentro da aldeia, quer pela sua dimensão, quer pela sua utilidade. A Bernarda “Pintou a manta” ao Moca e à Ernesta. Ameaçou, fez banzé no posto leite, queixou-se na loja das ratas, foi falar com as vizinhas a dizer mal dos cunhados, chamou-lhes tudo, falou com a bruxa da Várzea, prometeu um cordão à Sra. de Fátima, só para levar a dela avante e ficar com o quinhão melhor. O Moca, coitado, sem posses nem ânimo para contrariar a cunhada nem o irmão, lá concordou e assinou a partilha e o seu prejuízo. À data o Dr. Ulisses, vizinho de longa data, pessoa séria e experimentada nestas lides e com as vistas rasgadas até à nuca e sabendo da contenda, disse-lhe para não se preocupar que eles iriam ficar a ganhar, com o passar do tempo.
Nem mais.
Os pinhais foram consumidos por um valente fogo no Verão seguinte. Ficaram só cavacos e pontas queimadas. As terras de semeadura deixaram de ter utilidade, já que eles estavam a caminhar para velhos, sem forças, a jorna encareceu muito e não eram propícias a maquinaria. Deixaram de ter rendimento e ficaram de campo, bem como os pomares de Maçã Reineta que tinham que ser podados, cavados, sulfatados e raposados á unha. A herança desvalorizou para uma quarta parte ao fim de cinco anos. Já do lado do Moca e da Ernesta, os Quintais, Serrados e outros bocados dentro da povoação valorizaram para a construção, passando a valer dez vezes mais do que na altura da partilha, quando entrou um PDM que excluiu para construção todos os terrenos que estavam fora do perímetro urbano, onde se encontravam aqueles que lhes tinham sido negados. Passados dez anos o arranjo do Moca e da Ernesta era muito melhor do que o do Tóino Marreco e da Bernarda. Nessa altura o Moca, que tinha ficado com a conversa do Dr. Ulisses na ideia, perdeu a vergonha e perguntou ao vizinho:
Ó Sr. Dr. Ulisses. Porque é me disse para não me apoquentar com a minha cunhada?
Responde-lhe prontamente o Dr. Ulisses:
 “Ó Moca. Maçã podre cai sozinha, não é preciso apanhar”.

E caiu...

Meio bilhete com umas tetas dessas?

Meio bilhete com umas tetas dessas?”
Fontanelas e Gouveia foram aldeias sempre marcadas por personagens carismáticos. A família Rey Colaço, o escritor Virgílio Ferreira entre outros, cá moraram e deixaram legado. Alguns desaguavam cá em fim de vida, vindos de zonas mais turbulentas e procurando terminar os seus dias num ambiente pacato, relativamente perto de Lisboa mas com campo e praia. Outros faziam parte de famílias que cá tinham casa de campo e foram ficando. Outros ainda simplesmente gostavam da zona e cá aterravam, adquirindo casas e deixando prole. Típica zona de veraneio, era fácil cá adornar. A praia, o campo, o tinto Ramisco e Santarém, boas gentes e o micro clima proporcionando invernos amenos, eram ingredientes fundamentais para esta mescla social que compunha o ramalhete saloio de Fontanelas e Gouveia. Também cá nasceram personagens carismáticos que fizeram e fazem parte da história das aldeias, muitos já falecidos mas alguns ainda vivos, como o caso de José dos Reis Filipe, mais conhecido pela alcunha de Zé Broa. Cedo deu nas vistas pela sua particular forma de estar na vida da aldeia. Ler, escrever ver horas contar dinheiro igualmente, faziam parte dos atributos de rigor do Zé Broa. Era regularmente recrutado para festeiro da Festa da Páscoa e tarefas relacionadas com escrita e contas de deve e haver. Os seus atributos pessoais, escrita desenhada sem erros e honestidade, valiam-lhe uma assídua solicitação para prestar serviço de responsabilidade que metesse lápis e borracha, penosa tarefa para outros mais habituados à madeira e aço das enxadas, aptas a escrever na terra dura e um pouca mais pesadas, propensas a garrafão à boca e doenças de coluna.
Teve uma pesada herança familiar. Um gene da Georgina Reis, sua mãe, carregou-lhe a esquizofrenia, o que lhe provocou uma vida pessoal e profissional de altos e baixos, passando a maior parte da vida de adulto com entradas e saídas de instituições psiquiátricas, consoante a medicação e a “lua”. Fino, desembaraçado e esperto, ainda novo conseguiu libertar-se do jugo da enxada e foi trabalhar para a Sintra-Atlântico, empresa de transporte de passageiros que operava na zona costeira do litoral sintrense, como cobrador de bilhetes até meados dos anos 60, altura em a doença começou a fazer-se notar mais amiúde isolando-o gradualmente da sociedade. O estigma de “doido” estava instalado. Desaparecia durante meses e regressava quando a doença o permitia. Recordo-me do Zé Broa desde os anos 70 a bater em si próprio com um pau que deu à costa em plena Praia da Aguda, a vociferar com um personagem fictício que, alegadamente, o acompanhava diariamente. Era vulgar vê-lo a falar sozinho, a desbastar um pão de quilo firmemente entalado no sovaco, em frente à loja da Soledade, no largo da loja. Vivia de uma pequena reforma, do cuidado de familiares e do que apanhava na Taboeira, zona contígua à Praia da Aguda abundante em Lapas, Mexilhões e Percebes, de onde regressava com as botas de borracha cheias de água a fazer “Tchoc, Tchoc”, depois de uma sesta num qualquer abrigo de canas de uma fazenda afastada, chovesse ou fizesse sol. Mais recentemente e já com a idade avançada, cismou que a Praia da Aguda era sua e partiu para a guerra aberta, já com a fiel convicção de que qualquer banhista carecia de autorização para descida à praia sem marcação. “A praia é minha e o mar é do meu pai. Largueza!!!” e começava a chover pedrada para quem se aventurava. Há já alguns anos que deu entrada no lar de S. João das Lampas, onde a estima, o descanso, comida quente e medicação a horas lhe proporcionam um bem-estar na velhice.
Nos seus tempos de cobrador e numa viagem para Sintra, entrou uma moça crescidita no Banzão, pedindo meio bilhete para Galamares. Meio bilhete estava previsto para miúdos até aos 12 anos pelo que, à falta de documento identificativo, restava tirar as medidas pelo tamanho e outros atributos naturais. O Zé Broa, conhecido pela pronta resposta e língua afiada, olha para a moça e diz-lhe:
-“O quê? Meio bilhete com umas tetas dessas? Bilhete inteiro e já vais com sorte.

Querias mais nada, não?...

Um beberrão de má-fé.

Um beberrão de má-fé.”
Sempre existiram bailaricos na aldeia de Fontanelas. Presenciei uma fase de transição entre os bailes de dançar a dois e os de dançar sozinho. O Rock e os Slows deram cabo dos bailes com "música a metro". Lembro-me, particularmente, da década de 70 e dos grandes bailes abrilhantados por conjuntos muito conceituados que reproduziam músicas dos Rolling Stones, Beatles ou Led Zeppelin. Eram os Orpor, Intento, Black Stars, etc, etc. Toda uma geração mais velha do que eu apanhou em pleno essa época, recheada de contestação ao Status Quo vigente e às músicas da Eugénia Lima ou do Jazz Flôr da Aldeia. Deixou de se dançar a dois, excepto nos Slows. Muita coisa mudou nos anos 70, em Fontanelas e no mundo.
Existiam denominadores comuns a todos os bailes:
Contestação à música alta, mães vigilantes, filhas a tentarem contornar a vigilância, bifana 5 paus e sandes de molho 10 tostões, pais a jogar sueca e a beber copos no bufete e a velha tradição da bofetada no final do baile, por esta ordem e aumentando de intensidade com o avançar da noite.
Quanto à música alta muito se ralhava mas pouco se fazia. Era moda e a vantagem era dos órgãos Farfisa, das baterias Yamaha e das guitarras Fender.
No que toca a vigilância das mães, esta assumia contornos ridículos, que ia desde a ocupação ininterrupta da primeira fila do camarote, estrategicamente sobranceiro à sala, proporcionando um posto de observação privilegiado, à permanência em pé na sala ou até, por mais do que uma vez, à vigilância em pé nas cadeiras de madeira gingonas que bordejavam o salão da Sociedade em dupla fila. Havia de tudo. Esta vigilância assumia especial cuidado quando tocavam aquelas músicas mais calmas, os Slows. Aí sim, o radar era accionado a 500% e a vigilância feita à lupa. Não há registo de que alguma mãe tenha conseguido conter as hormonas malucas das filhas que teimavam em pular que nem doidas. As filhas fugiam como podiam. Davam um pulo à casa de banho com passagem pela rua. Combinavam encontros, dançavam mais apertadas ou, simplesmente, saltavam a janela do quarto depois do baile.
Bifana 5 paus, sandes de molho 10 tostões, nada a acrescentar
Minis, médias, copos de tinto e branco, cheio ou meio, interessava era molhar o bico. Aquela música maluca baralhava a cabeça e fazia sede.
Restava o entretem final. Normalmente antes do baile acabar havia sempre bofetada. Era o sal e a pimenta da coisa. Tinha sempre que haver zaragata, normalmente provocada por um copito a mais, uma raiva antiga ou uma disputa de saias.
Quando o motivo eram saias, a coisa resolvia-se à bulha na rua com intervenção feminina ou ficava prometida nova investida na próxima vez. Raivas antigas era só letra. Não passava de trinta e um de boca, ameaças e segurem-me senão eu mato-o.
Copitos, dependia da rezinguisse dos intervenientes. Quando estavam os dois carregados, a coisa prolongava-se. Quando só um estava tocado, daqueles que qualquer copito fazia despoletar o azedume da vida e vir ao de cima o amargoso fel que lhes temperava a alma, era mais ou menos simples. Era a história do beberrão de má fé (não sei se é do Bocage):

Um beberrão de má-fé,
numa tasca amotinando,
dá tamanho pontapé
Num sábio que ia passando
que dá com ele no chão.
Esperava-se função.
Mas este levantou-se,
dizendo para a taberna:
Por uma besta dar um Couce
Há-de se lhe arrancar uma perna?


E acabava a zaragata e o baile.
Boa noite.

Não há dúvida. É bagaço, é.

 “Não há dúvida. É bagaço, é.”
A URDFG (União Recreativa e Desportiva de Fontanelas e Gouveia) foi fundada em 15 de Agosto de 1942, fruto da carolice de uma boa mão cheia de pessoas que deram muito de si para a construção do que é hoje esta digna instituição septuagenária.
Do início ou quase desde o início, destacou-se uma figura carismática pela sua sempre disponibilidade, generosidade e qualidade petisqueira na ajuda ao “Bufete” da Sociedade como era, à data, chamada esta associação recreativa da aldeia de Fontanelas, na freguesia de S. João das Lampas, Concelho de Sintra, distrito de Lisboa. Para além dos bagacinhos e copos de três servidos no “bufete”, era também habitual e obrigatório a bela bifana. Aqui entra o “Ti Chico Ai Ai” (alcunha de Francisco da Silva Jacinto), devoto e dedicado fazedor de bifanas durante várias décadas na Sociedade. Bifana 5 paus, sandes de molho 10 tostões. Era tal o perfume emanado daquela velha frigideira com molho de 4 bailes, que ninguém resistia à tentação, mesmo que tivesse acabado de comer ceia de matança de porco em casa. Mas como não há bela sem senão e ninguém é perfeito, o Ti Chico tinha alguma dificuldade nas restantes tarefas do bufete, nomeadamente a identificação das bebidas brancas de garrafas dispostas na prateleira de mármore lioz, fixas à parede por cima da pia de enxaguar copos. O verdadeiro desafio deu-se quando um freguês exigente quis um bagaço numa altura em que só lá estava o Ti Chico de serviço. E agora? Não há problema!!! Retirando uma garrafa da prateleira questiona-se: “Será bagaço ou Anis?” -Garrafa à boca. “É Anis” exclamou prontamente. “E esta? Tem cor de bagaço!” Vai à boca mais uma - “ Nãaaa! É genebra”. Mais uma -“E esta?” Mais um gole directo à garrafa. Sem perder a embalagem, enche o copo do freguês e diz, triunfante: “Não há dúvida. É bagaço, é”. Dois mil réis e está despachado.

Saudades das bifanas do “Ti Chico Ai Ai”.  

Tudo quanto é pequeno tem graça menos o pão.







“Tudo o que é pequeno tem graça, menos o pão.”

Foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando tomei consciência da moda das fotos em criança no Facebook. De facto, as crianças cativam pela sua graça natural, pelo sorriso maroto, pela inocência e por muitos mais motivos. Durante mais de 45 anos convivi, em Fontanelas, com o “Zé Bacalhau", até à sua morte. Trabalhou, até se reformar, na casa dos meus pais e viu-me nascer, praticamente. Na sua infância tinha apanhado o tempo da guerra e herdado uma família de parcos recursos, onde a maior parte das vezes o pão na mesa era pequeno e escasso. Cedo teve que ir “servir” como “moço” em casa de famílias mais abastadas e fazer pela vida. Lembro-me como se fosse hoje do seu comentário para tudo o que era pequeno, com graça, inocente, atrevido, como um gatito, um cachorro ou uma criança: 
“Tudo o que é pequeno tem graça, menos o pão”.


Boa, Zé Bacalhau!!!