sábado, 12 de janeiro de 2019

Parabéns ao Camacho's

Parabéns ao Camacho's
Faz hoje, 29 de Maio de 2017, trinta anos que abriu pela primeira vez ao público o Café-Bar Camacho’s.
Naquela solarenga terça-feira, 20 de Setembro de 1983, desembarquei no voo 435 da British Airways depois de uma efusiva e entusiasmante prolongada estadia em Londres. Esta aventura marcou, definitivamente, a minha vida. Vim com a cabeça cheia de ideias e planos para o futuro, assumindo os Pub’s Ingleses um lugar de destaque. A idade era propícia ao tema e estava particularmente recetivo à ideia de, num futuro a médio ou longo prazo, concretizar a vontade de seguir o negócio da restauração, iniciada como aprendiz de empregado de balcão no Café Coreto no dia 1 de Abril de 1981.
Apesar de só ver de uma vista fruto de um acidente de caça, o José Elisiário Camacho sempre teve “olho” para o negócio. Percebeu o declínio da agricultura nos moldes da “enxada na mão” e do “garrafão à boca”. Já a colocação dos aspersores na rega automática na horta de cenoura foi uma guerra difícil de vencer com a mentalidade retrógrada própria da idade do meu avô Tanoeiro. Num sistema de minifúndio difícil de mecanizar e totalmente dependente da mão-de-obra, a agricultura tradicional de Fontanelas tinha os dias contados a curto prazo, fruto da debandada geral para empregos e negócios menos duros e com maior rentabilidade. Também o acentuado aumento dos salários e a baixa produtividade determinavam o seu fim a curto prazo. Iriam restar os mais velhos, resistentes à mudança, e aqueles que se conseguissem adaptar à nova realidade. O vinho, o trigo e a fruta estavam cada vez mais caros de produzir. Farto de madrugadas perdidas na praça de Sintra e uma rentabilidade cada vez mais limitada, viu num novo negócio no centro da aldeia a possibilidade de evolução. Juntou o útil ao agradável e comprou a adega da família Semião, também a pensar nos rapazes que tinha em casa e que, mais cedo ou mais tarde, teriam a sua ocupação garantida no futuro negócio.
Assim foi. A “adega dos Semiões” tinha ido parar às mãos do José Gomes, conhecido pelo Zezinho, residente em Almoçageme e viúvo da Joaquina da “Rata”, falecida anos antes. Um casamento em comunhão geral fez do Zezinho, por herança, dono de uma parte do património da família Semião herdado pela esposa, nomeadamente a Adega no centro da aldeia, adquirida pelo meu pai no início de 1986. Acabei o SMO (Serviço Militar Obrigatório) em final de Abril, no dia 1 de Maio de 1986 começámos a vazar a velha e recheada adega, cheia de velhos barris, teias de aranha e toneladas de pó. Durante o ano seguinte lá fiz de tudo, em conjunto com o José Augusto, pedreiro de serviço à obra, o meu irmão, o meu pai e uns quantos serventes de ocasião por alturas do enchimento das placas de betão armado. Tirei um curso intensivo de IBM (Introdução ao Balde de Massa) com especial destaque para alancar às costas com os ditos baldes de massa de cascalho e tijolo de onze, não faltando generosas doses de areia, ferro e cimento. Tinha ainda oportunidade de ligar o potente rádio da velha Ford Transit do meu pai, sintonizar a Rádio Comercial e ouvir, junto às cinco da tarde e apresentado pelo Luís Filipe Barros no Rock em Stock, uma especial música do recém-editado álbum 5150, dos Van Halen, “Why can’t this be love”, tudo isto condimentado com o trepidante e metálico ronronar de fundo provocado pela betoneira a gasóleo que teimava em agitar cimento, água e areia.
A partir do final de 1986 a coisa começou a ganhar forma e a entrar na fase dos acabamentos. Uma especial atenção com as madeiras, nobre material sempre presente no Camacho’s e ainda hoje visível no teto, balcão, mesas, cadeiras e escada, deram os retoques finais juntamente com as cortinas em Tartan escocês, penduradas em ferragens de latão compradas na casa Castelo Branco, em Lisboa. Também o despenseiro de tabaco, totalmente feito em madeira e acrílico, foi completamente original, removido em 2008 por se tornar obsoleto face à entrada em cena das máquinas de tabaco.
Quase quatro anos depois de chegar de Londres, no dia 29 de Maio de 1987, e após um ano de trabalho no edifício construído de raiz no largo de Fontanelas, abriram-se as portas do Camacho’s Café-Bar às 18h00 de uma radiante sexta-feira, um dos dias mais felizes da minha vida. Eu, o meu irmão e o meu pai nas mesas e balcão e a minha mãe na cozinha. Rapidamente chegámos à conclusão que teríamos que ter ajuda para podermos corresponder à afluência de clientes.
Desde o primeiro dia que o conceito pegou. A diferença, a novidade, a irreverência da juventude, os hambúrgueres e pregos feitos pela Mariana, os excelentes pequenos-almoços, a pastelaria caseira, tudo reforçado mais tarde com a cerveja a metro, numa outra fase, fizeram com que o negócio evoluísse e o Camacho’s ficasse cada vez mais conhecido.
No dia em que lançámos o spot publicitário de dez segundos da cerveja-a-metro na Rádio Energia, a ala jovem da TSF, estacionei o carro às 23h05 junto a um semáforo na Rua Elias Garcia, na Amadora, para poder ouvir, com o coração aos pulos, na antena da Rádio Energia o spot criado pelo Janeca numa qualquer noite mais bebida. Assim era: “Sabes o que é um Metro? O Metro é a décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre. Mas para que o conheças melhor vai ao Camacho’s, em Fontanelas, beber Cerveja-a-Metro.” E a malta ia… aos montes, às resmas. Apareciam de todos os lados e tinham que ficar na rua porque não cabiam lá dentro, literalmente.
Trinta anos de vida de um espaço recheado de encontros e desencontros. Trinta anos de vida com inúmeras histórias plenas de emoções vividas por todos os que por lá passaram ao longo destas décadas. Meio mundo lá trabalhou, mais ainda lá comeu, bebeu, riu, chorou, amou… . O Camacho’s fez e faz parte de uma significativa parte de todos nós, agora ou nos trinta anos passados.
Todos os que por lá passámos temos razões para brindar pelas histórias lá vivenciadas e por as poder recordar com nostalgia e saudade.
Parabéns ao Camacho’s pelas suas três décadas.
Parabéns a todos nós que fizemos, e continuamos a fazer, parte da sua história.
Vai um Brinde a mais trinta?