Uma Ervilha chamada Mundo
História real ocorrida há alguns anos.
O Sr. Abílio andava a ajudar na preparação do batizado do seu neto, filho do seu filho, nascido há meses e a ter lugar nesse Verão de 1994. Vivia nos arredores de Lisboa e possuía uma segunda casa para fins-de-semana e férias, onde poderia usufruir de campo e praia. Tinha espaço na casa de férias para fazer a boda mas precisaria de bancos ou cadeiras para sentar a família, amigos e demais convidados para o evento, a ocorrer dentro de duas semanas. Frequentador habitual do bar da coletividade da aldeia, foi aí que se dirigiu para solicitar de empréstimo o que lhe faltava, já que era por um só dia e relativamente perto. Perguntou no bar por alguém da direção da instituição para poder expor o seu pedido. Depois de aguardar um pouco lá apareceu um dos elementos da direção, solícito e disponível. O Sr. Abílio reconheceu de imediato a pessoa que estava à sua frente. Um sentimento contraditório assomou-lhe à memória, reavivando uma difícil e marcante situação passada. Apesar deste sentimento expôs o que lá o levara. Foi-lhe dito que o assunto seria apresentado em reunião de direção e que lhe seria dada resposta o mais cedo possível.
Corria o Verão de 1985. Neste solarengo final de tarde de domingo a praia-mar e o vento norte revoltavam as águas, encostando os banhistas à arriba, na tentativa de evitar as ondas carregadas de branca e abundante espuma. A quase total ausência de pessoas na água espelhava o mar revolto e agitado nesta praia sem banheiros nem nadadores salvadores. Predominavam chapéus-de-sol, famílias e grupinhos de jovens, salpicando a praia neste final de tarde. Neste calmo e tranquilo cenário surge uma senhora aflita a pedir socorro a um grupo de jovens sentados nas caídas rochas da instável arriba. Muito aflita aponta para a água e, desesperada, pergunta se alguém sabe nadar, já que o seu namorado estava a afogar-se no meio das agitadas ondas caiadas de branco. Após um impasse, um dos jovens corre para a água largando pelo caminho os objetos pessoais e a t-shirt que vestia, ao mesmo tempo que, aos tropeços, vai tirando os sapatos de ténis de marca Sanjo. Entra na água e fura as ondas com dificuldade. As ondas teimavam em bater na rija parede de rochas enviesadas naquele canto da praia, dificultando a progressão no mar. Após quase um minuto que pareceu uma hora, chegou junto do homem aflito e quase desfalecido. Não se aproximou deste e contornou-o, não fosse a tentativa desesperada deste levar tudo a perder numa derradeira e desesperada tentativa de auto salvamento, agarrando-se a qualquer coisa que alcançasse. Conseguiu agarrá-lo pelo pescoço, por trás, iniciando o difícil e exaustivo regresso à praia tendo, obrigatoriamente, que evitar a perigosa zona das rochas cortantes. Com os pulmões a rebentar e lutando desesperadamente por alcançar a firme praia, nadou o que pôde e não pôde, atingindo uma zona onde outras pessoas os esperavam e puxaram com segurança. Se não se ficou na água revolta, quase que se ficava na praia completamente esgotado. O senhor que se estava a afogar foi levado por familiares e amigos, talvez para o hospital. O miúdo nadador recuperou o fôlego a custo e juntou-se ao seu grupo.
Antes de se separarem neste encontro na coletividade o Sr. Abílio, quase em jeito de desabafo, pergunta:
- “O senhor não me conhece, pois não?”
- “Não conheço, não senhor. Não o estou a reconhecer.”
- “Sabe que o senhor é um dos responsáveis por este batizado do meu neto?”- Pergunta o Sr. Abílio.
Desconcertado o seu interlocutor, questiona-o:
- “Não compreendo. Sou responsável porquê, Sr. Abílio?” - Retorquiu.
- “O senhor recorda-se há nove anos atrás, num domingo à tarde, de ter ido buscar ao mar um rapaz que se estava a afogar?
- “Tenho uma lembrança, Sr. Abílio”- diz enquanto franze o sobrolho, interrogado.
- “Nunca tive oportunidade de lhe agradecer pessoalmente. A criança que vai ser batizada é meu neto, filho do meu filho. O senhor tirou do mar o meu filho, pai desta criança. Se não o tivesse ido buscar, esta criança não existia.” – Desabafa o Sr. Abílio
- “ Já percebeu porque é também responsável por este batizado?”- Questionou.
- “O senhor não me conhece, pois não?”
- “Não conheço, não senhor. Não o estou a reconhecer.”
- “Sabe que o senhor é um dos responsáveis por este batizado do meu neto?”- Pergunta o Sr. Abílio.
Desconcertado o seu interlocutor, questiona-o:
- “Não compreendo. Sou responsável porquê, Sr. Abílio?” - Retorquiu.
- “O senhor recorda-se há nove anos atrás, num domingo à tarde, de ter ido buscar ao mar um rapaz que se estava a afogar?
- “Tenho uma lembrança, Sr. Abílio”- diz enquanto franze o sobrolho, interrogado.
- “Nunca tive oportunidade de lhe agradecer pessoalmente. A criança que vai ser batizada é meu neto, filho do meu filho. O senhor tirou do mar o meu filho, pai desta criança. Se não o tivesse ido buscar, esta criança não existia.” – Desabafa o Sr. Abílio
- “ Já percebeu porque é também responsável por este batizado?”- Questionou.
O mundo é uma ervilha.