domingo, 1 de novembro de 2020

O Poço do Largo de Fontanelas




O Poço do Largo de Fontanelas

Desde miúdo que convivo com o Poço do Largo de Fontanelas, aquela construção cilíndrica no centro da aldeia. A construção deste equipamento público remonta à época em que a água não vinha da torneira e existia dificuldade no seu armazenamento. Ter um poço com água era um luxo a que poucas famílias se podiam dar, pelo que os poços comunitários representavam uma solução para as necessidades da população e seus animais.

Estes poços tinham junto a si uma talha de pedra para que os animais de quatro patas pudessem beber a água captada nas suas profundezas. No Poço Novo, na rua com o seu nome, ainda é possível ver uma dessas pesadas talhas de pedra.

Outra das particularidades desses poços era a pedra frontal que servia de proteção a quem deles se servia. Essa pedra tinha rasgos arredondados na parte superior. Os baldes de água cheios eram puxados à mão com a ajuda da pedra polida que servia de meia roldana. Com os sucessivos anos, essa pedra ia-se desgastando pela fricção da corda na sua superfície, criando sucessivos rasgos polidos característicos destes poços.

Há alguns anos atrás, por questões de falta de uso e necessidade, ainda se falou em demolir o velho poço do largo. Alguém com consciência impediu que tal acontecesse. Se por decreto não foi demolido, quase que o foi quando um condutor mais distraído lá desfez o carro, chocando  com pia lateral.  A mesma sorte não teve o seu homólogo do Largo da Nogueira já que foi demolido e aterrado. Tornando-se obsoleto face ao desuso instalado, alguém achou por bem dar-lhe umas marretadas e enche-lo de entulho. Mata-se o bicho, acaba-se com a peçonha.

O Poço do Largo era um centro de brincadeira para os miúdos juntamente com o Coreto e a Cruz, seus vizinhos de longa data. Esta brincadeira passava, para alguns dos mais afoitos e ágeis, por idas regulares às suas profundezas, descendo e subindo pelo tubo metálico lá instalado. No meu caso apenas me ficava pelas vistas cá de cima, já que a minha condição de anafadinho não me permitia veleidades deste tipo. Recordo-me de um belo dia um dos miúdos, num rasgo de afoiteza iluminada, lá desceu pelo tubo. Depois de algumas tentativas mal sucedidas para subir e de uns choricos à mistura, alguém foi buscar uma corda para puxar o destemido. Antes da colocação da grade era esconderijo obrigatório para a miudagem brincar às escondidas, servindo a pia interior de perigoso esconderijo improvisado.

Tenho a certeza que a água deste poço tinha propriedades milagrosas, embora falte a confirmação científica. A sua água serviu, até aparecer liquido mais certificado, para encher a pia da igreja onde os devotos molhavam os dedos antes de os levarem à testa em ato de benzedura. Ainda hoje estou para perceber como é que simples água de um poço de Fontanelas, que mal vem no mapa de Portugal, tinha tais propriedades milagrosas.

Também este poço tem uma história de outro tipo de brincadeira para contar. Sem lhe pedirem autorização, meia dúzia de rapazes e raparigas colocaram uma coluna de som no seu interior, ligando um cabo comprido ao leitor de cassetes estrategicamente colocado na janela do Camacho´s. Corria o ano de 1988 e estávamos no Carnaval. Ninguém estranhou que andassem a abrir uma pequena fenda no solo, suficiente para passar um cabo de som, desde a janela do Camacho´s até ao poço, ainda o largo estava em terra batida. Uma saca de rede das batatas serviu, juntamente com um cordel da roupa emprestado por um vizinho, para pendurar a coluna de som dentro do poço a 5 metros de fundo, suficiente para não ser detetada à primeira vista e causar o efeito desejado, com eco e tudo. Estava montado o cenário. Foi gravada a cassete com a mensagem. Junto à hora da missa e com o afluxo de pessoas à capela: “Play”.

“Tirem-me daqui, caí cá dentro do poço. Acudam, acudam.”

“Tirem-me daqui, caí cá dentro do poço. Acudam, acudam.”

É feio acusar alguém mas acho que a voz era do Janeca.

Não me recordo se atrasou a cerimónia religiosa ou não. Se chegou a vir a GNR ou não. Se o padre ainda interveio ou não. Que gerou um burburinho e um desassossego medonho, gerou. Mas também causou uma gargalhada geral nas pessoas que se juntaram para presenciar mais uma partida de carnaval no largo de Fontanelas.

Viva o Poço do Largo de Fontanelas!!!


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

O Posto do Leite


      

O Posto do Leite de Fontanelas



Alguns lembrar-se-ão, certamente, do Posto do Leite. 

O Posto do Leite de Fontanelas era um dos postos de recolha de leite da UCAL (União das Cooperativas Abastecedoras de Leite de Lisboa). Estava localizado na esquina da Av. Nossa Senhora da Esperança com a Rua Fria, onde é atualmente a churrasqueira, no quarteirão mais central de Fontanelas. Foi, durante largas décadas, o ponto de encontro de uma vasta faixa da população da aldeia de Fontanelas, rivalizando com a taberna do Semião, com a mercearias das ratas e da viúva e com as respetivas padarias. Ali se juntavam, de manhã e à tarde, homens, mulheres e crianças que vinham trazer leite ao posto, num interminável vaivém diário, carregando as bilhas metálicas remendadas vezes sem conta pelo Zé Funileiro. 
À data, quase toda a produção de leite de Fontanelas era vendida à UCAL. A recolha era feita duas vezes por dia e através dos diversos postos estrategicamente espalhados pelas aldeias. 
A economia rural de Fontanelas muito dependia do desempenho das vacas que proporcionavam um rendimento diário em dinheiro vivo. Era o pé-de-meia fixo de muitas famílias, essencial para mandar os filhos à escola, comprar “quartas” de café, comprar leitões para engordar e fazer a excursão anual à Feira dos Alhos na Ericeira. Era um rendimento limitado mas fixo, ajudando sucessivas gerações a equilibrarem o deve e haver familiar.
O leite era recolhido dos animais manhã cedo, com ordenha manual, junto às sete da manhã e à tarde, perto das 17h00. Cá em casa havia um vaqueiro, a pessoa encarregue de tomar conta do gado de curral, quer fossem bovinos, caprinos ou jumentos. Estava proibido de limpar as teias de aranha do teto, já que estas protegiam de forma ecológica o equilíbrio da fauna local, nomeadamente moscas, moscardos e mosquitos. As teias de aranha encarregavam-se de limpar a bicharada indesejável que prejudicava o bom funcionamento da vacaria. Chamava-se Francisco Joaquim Castelhano, mais conhecido por Chico Castelhano e tinha também a seu cargo a tarefa de ordenha e entrega no Posto. Quando, por qualquer motivo, o Chico Castelhano não podia, avançava a segunda linha na entrega de leite no posto: Carlos Camacho, eu mesmo. Bastas vezes levava a bilha à mão pela Carreira Castelhana, percorrendo o caminho trocando de mão a pesada bilha do leite. Ia para a fila e aguardava a minha vez de ser atendido, como mandavam as regras. O Posto do Leite tinha, permanentemente, o chão molhado, consequência das permanentes lavagens a que era sujeito duas vezes ao dia. Tinha também um cheiro próprio emanado do manuseamento e armazenagem de grandes quantidades de leite, proporcionando ao espaço um odor característico do lei cru, ainda morno, que lá era manuseado.
As mulheres vinham mais à pressa trazer o leite e algumas, sempre as mesmas, tentavam furar a fila alegando ter comida ao lume, uma criança a berrar ou uma vitela a nescer. Tinham os filhos para cuidar e a lida da casa para fazer, antes de irem para o amanho das terras. Já os homens tinham todo o tempo do mundo. Aí se falava da seara da “Dona Maior” ou do batatal do “Jonal”, passando pelas hortas dos “Caniçais”. O tempo era sempre motivo de esclarecido diálogo, aludindo às previsões meteorológicas do noticiário das sete. 
“O vento virou à serra (sul), vai chover”. Dizia o Domingos “Carrombão”.
Rematava o Fernando “Careca”, funcionário encarregue do Posto do Leite que recebia e media o leite: “Quando Deus Nosso Senhor queria, até de Norte chovia.”
“Uma pinga de água dava jeito para puxar pela uva. Se não chover o bago não cresce” dizia o Carlos da Caracola.
Já o “Ré-Ré” dizia à boca cheia que preferia pinhais a vinhas. “Está um homem na cama e está o pau a crescer. As vinhas dão muito trabalho.”
Depois de deixarem o leite no posto, era visita obrigatória a taberna do Semião. O “Cai-bem”, nome dado a uma mixórdia vendida na Taberna do Semião, era a pinga de eleição nas frescas manhãs de Fontanelas. 
O posto do leite era ainda um local de brincadeira e boa disposição. À cabeça dessa boa disposição reinava o Domingos Carrombão, conhecido pela acutilante e bem-humorada forma de expressão. Na altura em que a Sra. Maria José lá trabalhava perguntou-lhe o Domingos Carrombão, a jeito de brincadeira:
“Oh Sra. Mar Zéi. Se você visse as minhas calças a cair e as suas sais a cair também, o que é que você levantava primeiro?”
“Levantava as minhas saias primeiro, claro” respondeu a Sra. Maria José.
Rematou o Carrombão: “Era mesmo à conta”.

E assim era o Posto do Leite de Fontanelas.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Quem são os Grunhos?



Quem são os Grunhos?
 
Muito se tem falado de Grunhisse (forma de estar dos irresponsáveis, broncos, rudes, grosseiros, inconscientes) a propósito das constantes pândegas envolvendo numerosos grupos de jovens e não só.
Poderemos chamar Grunhos aqueles que se estão totalmente a marimbar para o COVID e para a forma como se poderão contagiar e, por consequência, contagiar todos os que estiverem em seu redor?
Poderemos chamar Grunhos aqueles que, por dá cá aquela palha, ofendem tudo e todos nas redes sociais ao abrigo do anonimato ou no resguardo de uma distância segura de um ecrã de computador ou telemóvel?
Poderemos chamar Grunhos aqueles que estragam, derrubam ou simplesmente pintam estátuas de ilustres figuras históricas de qualquer povo, alegando que a memória não poderá permitir que se continue a venerar figuras opressoras de outros tempos (ou por qualquer outra razão)?
Poderemos chamar Grunhos aqueles que, em nome de uma causa, de uma data, da igualdade de género, do racismo, da sua etnia ou da exclusão social, cometam “grunhices básicas” como não respeitar o distanciamento numa qualquer manifestação pró ou contra “o que quer que seja”.
Poderemos chamar Grunhos a acéfalos seguidores de teorias fascistas ou totalitaristas que emergem numa de “isto é tudo uma cambada de ladrões, só lá vai com uma ditadura”, fazendo tábua rasa de conquistas básicas como a liberdade de expressão que, ironia do destino, lhes permite bolsar tais impropérios?
Poderemos chamar Grunhos aqueles que, de forma violenta e barulhenta, ofendem, provocam e geram conflitos por dá cá aquela palha, em qualquer estrada do país?
Poderemos chamar Grunhos aqueles que provocam acidentes, atropelando, batendo, matando, estropiando, só porque são irresponsáveis ao ponto de conduzirem uma arma mortífera, como um automóvel, a velocidades alucinantes na via pública?
Poderemos chamar Grunhos ao pessoal que, de forma totalmente irracional, provoca, agride e ofende o seu semelhante só porque este não veste a mesma cor futebolística, partidária ou religiosa?
Poderemos chamar Grunhos aqueles que acreditam que um ser omnipresente, omnisciente e omnipotente comanda todo o universo e que caberá a alguns seres humanos, devidamente paramentados, imbuídos e doutrinados por outros que tais, a interpretar essa vontade e aplica-la na Terra, nem que para isso fomentem guerras e contendas em seu nome? (A julgar pelo resultado, a mensagem ou a interpretação tem defeito. Algo nesta cadeia de comando tem falhado).   
Poderemos chamar Grunhos aqueles que não acreditam que seres omnipresentes, omniscientes e omnipotentes comandam o universo?
Poderemos chamar grunhos aos seres humanos que fazem orelhas moucas aos avisos do envenenamento da alimentação, ao perigo dos alimentos processados, à degradação permanente do meio ambiente, da poluição dos rios e dos oceanos, etc?
Poderemos chamar grunhos a todos aqueles que não respeitam todos os seres vivos, sejam eles animais ou plantas?
 
 
Afinal, quem são os Grunhos???
 
Já que para o Grunho a Grunhice é difícil de detectar, poderemos dizer que, se calhar, todos temos, de grunho e louco, um pouco.

Será?


terça-feira, 12 de maio de 2020

Devo estar a ficar “xé-xé da marmita”


        

Devo estar a ficar “xé-xé da marmita”.

Confesso que estou a ficar contagiado por um vírus instalado no Facebook.

Dá-me ganas de esbofetear e chamar nomes a algumas pessoas. Pronto, pá. Fico fora de mim, sem controlo. Devo estar a perder as faculdades mentais do bom-senso, da educação, da cordialidade e do bom viver. Não me recordo de ser assim, ou então a branca barba está-me a contaminar o cérebro.  Este contágio noto-o sempre que me dedico à leitura de alguns posts ou comentários, nomeadamente aqueles em que o criador (do comentário ou do post), procura, da forma menos aconselhada, os 5 minutos de fama a que, supostamente, todos nós temos direito. Mas bolas, que sejam por um motivo enaltecedor e meritório, pela positiva, valorizando o seu interlocutor e procurando o bem-estar alheio.

Este vírus fica latente sempre que me afasto das leituras facebookianas. Mas eis quando, na diagonal, leio algum fel destilado, quiçá fruto dalgum confinamento forçado ou dum cônjuge mais pressionante, e escarrapachado na página azulada deste moderno “correio da manha” (manha, não manhã), lá volta a revolta interna e as ideias menos sãs.

Seja por animais, árvores, praias, fotos ou outra qualquer coisa, por favor contenham a verborreia, sob pena de eu ficar contaminado de vez. Tenham pena de mim e de todos os que, de forma aleatória, somos apanhados na curva das leituras facebookianas. Tudo é motivo para acesas disputas, ofensas gratuítas e jocosos impropérios. Bolas!!!

Ah, mas estava-me a esquecer!!! Voilá!!! Eureka!!! Há sempre a velha possibilidade de bloquear quem nós não queremos “aturar”. Ahhhhhhhh…..

Para chegar a este ponto, estou mesmo a ficar contaminado com o tal vírus do Facebook. Para que não fiquem também contaminados, o melhor mesmo é bloquearem-me, se acharem que mereço!!!  

Puf...   


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Trauma do 19



Covid 19
Mas que trauma!!!Pasme-se que até o Outlook na caixa de “draft” que tem “19” emails pendentes de finalização me deixou alerta. Ohpss: “19” no meu computador??????
Incomodou-me! 
Soube há pouco que até o Ti Joaquim Marreco, nascido em Janeiro de 1919 em Fontanelas, logo após o armistício da 1ª Grande Guerra e ainda de tino perfeito disse, recentemente, quando alguém lhe perguntou a idade, que nasceu logo a seguir ao final de 1918, omitindo o ano de nascimento e disfarçando o trauma do “19”.
Também os hipermercados na Holanda decidiram, em conjunto, eliminar das suas linhas de caixa o número 19, passando do 18 para o 20. Ele há coisas!.....
A conhecida colunável Mafalda Bobone de Andrade Vasconcelos e Lima Resende, residente num “piqueno” apartamento no 19º andar do edifício Navegador, em Cascais, colocou-o à venda em vinte e três imobiliárias, sete porteiros, dez merceeiros e doze tias amigas, numa desesperada tentativa de se ver livre de tal possidónio estigma. Já o vizinho do mesmo andar, apesar de chinês, acha que o quarto andar é que “não plesta”.
O conhecido jogador de futebol do Tottenham, Dembélé, titular da camisola “19”, anunciou publicamente que não quererá mais usar este número, tal a aversão. Solidariamente, Sadé, o seu colega do Manchester City e também titular do mesmo número, decidiu mudar para o “20”, não vá o diabo tece-las. Antes, já o Eliseu e ex titular da camisola 19 no Benfica, tinha decidido apagar todas as fotos do seu Facebook onde envergava tal número agora caído em desgraça. Temos o caso do guarda redes da União de Leiria, camisola 1, Tó Marcelo, travou-se de razões com o Fabiano, colega de equipa e titular da camisola 9, porque não se queria sentar a seu lado. Segundo ele “Quero azar, não.” “1 mais 9 dá Dezanove”.
Tenho a certeza absoluta que o bar de um clube de golfe ali para os lados do Estoril, “19th Hole” de seu nome, após esta bicheza passar irá, certamente, mudar de nome.
Da minha parte, estou a pensar seriamente em mudar a minha data de nascimento, passando de 1964 para qualquer coisa 2000 menos 36. Bem vistas as coisas também tenho um dezanove associado.
É que homem prevenido vale por dois.

sábado, 21 de março de 2020

Hoje a caminho do trabalho



Hoje a caminho do trabalho vi espaços da estrada vazios de gente recolhida. Notei a falta de movimento nos cruzamentos da vida. As ruas desertas de pessoas e bens, reflexo do medo contido e da incerteza instalada.
Hoje de manhã a caminho do trabalho, notei que a falta da viatura mal estacionada antes da passadeira na Várzea de Sintra, das pessoas a caminharem na estrada e da esplanada ocupada no café da esquina, me fizeram falta.
Hoje de manhã a caminho do trabalho, notei mais os pormenores do percurso, os detalhes da rua e a falta do movimento das pessoas. Afinal sou, certamente, um animal social.
Hoje a caminho do trabalho tomei consciência de que o ar que respiro não é um dado adquirido gratuito, que o chão que piso tem um preço a pagar e a minha liberdade vale mais do que eu realmente pensava.
Hoje a caminho do trabalho, valorizei muito a rádio que ouvia, o ar que respirava, a roupa que vestia e a liberdade de me poder deslocar livremente, de casa para o trabalho.
Hoje a caminho do trabalho, valorizei muito mais a chuva que caíra na madrugada, ajudando a limpar, do ar e da mente, uma neblina sobrecarregada de partículas poluentes que nos vai intoxicando.
Hoje a caminho do trabalho, senti que estava vivo e agradeci, não sei a quem ou a quê, porque ainda podia ir hoje, a caminho do trabalho.

CCamacho-20-03-2020

domingo, 8 de março de 2020

Semelhanças Improváveis



Semelhanças Improváveis

Há umas semanas atrás cruzei-me com o Mestre Judoca Sintrense Renato Santos Kobayashi nos “corredores” do Facebook, no grupo Liceu de Sintra Comemorações. Enquanto ex praticante da modalidade, ocorreu-me que existem muitas semelhanças entre um judoca e um consultor imobiliário. Muitas mesmo. Ora vejamos.
Comecemos pelo princípio do Judo. Aprender a cair. O judoca no início aprende a cair e a levantar, literalmente. Mas sobretudo na sua ascensão competitiva também terá que aprender as “quedas” emocionais das derrotas, dos desaires competitivos, dos momentos de desilusão e desalento, singular e coletivo, dos momentos de incerteza e ansiedade. Será que a sua prestação será suficiente para vencer? Será que treinou o suficiente? E as lesões? Se houver lesão e uma paragem de meses? Tão importante como aprender a cair é conseguir levantar-se, “queda após queda” emocional.
Vejamos o consultor imobiliário. O processo das “quedas” emocionais está garantido. Começa no desconhecimento total do mercado, na falta de capacidade para rebater objeções com os proprietários, nas mudanças de vontade dos proprietários e compradores, nos sucessivos problemas burocráticos e legais associados à venda de um imóvel, etc, etc. Este Carrossel emocional é uma constante. A incerteza da conclusão do negócio depois de tanto trabalho, quando o negócio não se conclui por motivos vários quer seja porque não treinamos o suficiente ou, simplesmente, por fatores alheios à nossa vontade e que não controlamos, acontecem, digamos que o equivalente à “lesão” do judoca ou ainda, numa grande parte dos casos, porque deparamo-nos com adversários mais fortes que nós e nos levam de vencida.
Outra situação semelhante. Qualquer judoca compete sozinho. Na hora da verdade está, fisicamente, sozinho na competição em frente ao seu adversário. Depois de aprender com o mestre terá, obrigatoriamente, que treinar com alguém. Não se treina sozinho no judo. Na mediação imobiliária, o consultor está, no seu dia-a-dia, sozinho no terreno, depois de ter aprendido com alguém e treinar com a sua equipa da agência, com os colegas. Ou seja, aprende-se com os outros e treina-se com os outros mas a atuação é “a solo”. O desempenho final é connosco. Não podemos contar com a nossa equipa nos momentos decisivos do dia-a-dia.
Outra semelhança. Foco e Crença. Ambos terão que nunca pôr em causa o seu êxito. No dia em que a crença desaparece e a dúvida se instala, acabou-se. O êxito nunca se põe em causa. O sonho para ser real terá que ser real no dia-a-dia, com muito foco e sem vacilar. Como aquela máxima: Se acreditares que és capaz, serás capaz. Se acreditares que não serás capaz, não serás capaz. Terás sempre razão qualquer que seja a tua crença. Tens que acreditar em ti e no que és capaz.
Disciplina, Rotina e Treino são fundamentais em ambos os casos. Nem consultores imobiliários, nem judocas conseguirão vingar sem respeitar estas premissas. Cada um faz a sua própria sorte ou o seu próprio azar, em função da sua Disciplina, Rotina e Treino. Nada acontece por “obra e graça” e tudo acontece em função do rigor aplicado no dia-a-dia. Estes são também os ingredientes necessários para que, em ambos, exista superação e sucessivas barreiras derrubadas.
Em suma, tanto no judo como na mediação imobiliária, o fator chave é a capacidade intelectual, condição “sine qua non” para ter êxito. Por melhor condição física que tenha, de nada valerá se não forem seguidas as regras supra mencionadas.
E depois de ter pensado nisto tudo, convidei o Mestre Renato Kobayashi para uma palestra, que  aceitou de bom grado, na Convenção 2020 da 2easy. E valeu a pena escutar uma história de vida contada na primeira pessoa de forma emotiva e muito interessante. Nas palavras do Mestre Renato Kobayashi ainda existe um outro fator associado ao êxito. Temos que seguir tudo “by the Book” e ainda aplicar algo nosso, algo inovador e “fora da caixa”. Tal qual como na mediação imobiliária.
Um grande obrigado ao Mestre Renato Kobayashi pela sua presença e generosidade.

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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Capítulo 9 - Diário - Viagem China



Capítulo 9 - Diário - Viagem China

21 de março de 2005 - Segunda-Feira

Guangzhou.
Nunca vi tantos chineses juntos. O que mais impressiona é a quantidade de pessoas por todo o lado. Fiquei farto da Feira e da quantidade de gente que por lá andava.
Decidi que já chegava. Tirei o dia para descansar. De manhã levantei-me às 9 horas e fui à pressa ao pequeno-almoço, já no “red line” do horário do restaurante. Esta modernice dos horários só é válida para inglês ver. Pelo que tenho observado, come-se a toda a hora, em qualquer lado, de qualquer maneira e de tudo. É típico ver uma pessoa no passeio, sentada nos calcanhares com uma tigela e dois pauzinhos, tranquilamente, a ter a sua refeição. Todas as horas são boas para comer.
Quando cheguei a Shenzen, uma semana atrás, fui confortar o estômago numa tasca escolhida por ter fotos dos pratos servidos. Para quem não consegue entender nem se consegue fazer entender, nada melhor do que poder apontar para algo que se assemelha a uma boa refeição. Assim eu esperava, já que escolhi um prato com uma perna e coxa de frango, empoleirado em cima de uma torre de arroz e legumes verdinhos e com excelente aspecto. Tudo “nos trinques”. O que falhou foi a cozedura do frango. Era frango praticamente cru, cozido ligeiramente no vapor. Valeu o arroz e os legumes.
Após o pequeno-almoço fui para a rua meter o nariz em tudo. Tomei alguma consciência do que é a China andando na rua, nas lojas, nos mercados, nos bairros, nos pátios, etc. Os chineses, por questões de espaço, têm pouca privacidade, pelo que é normal irmos numa rua secundária, dentro de um bairro e desviarmo-nos para um canteiro porque a família que habita aquela porta tem mesa montada na rua. Os espaços privados das habitações são reduzidos, pelo que qualquer espaço disponível tem, imediatamente, utilidade que não o fim para o qual foi concebido. Nesse mesmo dia deparei-me com uma pessoa a tomar banho no passeio, onde um pequeno alguidar de plástico servia de banheira improvisada. Apesar de ter dado corda aos sapatos, ainda tive direito a champô aos salpicos. A China no seu melhor, na sua essência. Tive pena de não fotografar parte dos sítios onde estive, só que o tamanho atijolado da máquina fotográfica que à data tinha, inibia-me de a transportar diariamente, para todo o lado. Segui a corrente humana e dei comigo numa zona de lojas e mercado de rua. Ainda hoje estou para descobrir que molhos eram aqueles que via com regularidade, em cestos, e caixas de cartão, nessas ruas por onde passei. Suspeito que fosse fogo de artifício. Talvez se avizinhasse uma época festiva, propícia a que as pessoas comprassem daquilo aos molhos.
Estive seguramente 10 minutos a ver um cozinheiro de patos. O trabalho deste senhor consistia em tirar os patos do forno e cortá-los em pedaços com tamanho adequado para ser comido com os pauzinhos chineses, dentro de pequenas cuvetes de plástico. A sua destreza deixou-me deslumbrado e pregado á montra. Às tantas já o chinês estava numa de exibição, com o cutelo a subir e descer de forma artística, tipo circo para português ver. Um pouco mais á frente, não consegui entrar no mercado da carne crua. Dramático para mim. Depois de deixar de fumar, fiquei com o olfacto muito apurado e tenho uma maior sensibilidade para os cheiros, tipo cão de caça. O cheiro que vinha daquela zona ajudou a que, actualmente, quase não cozinhe carne e me repugne o seu cheiro. Aí perto, apesar da gripe aviaria, viam-se centenas de gaiolas com bicharada de penas.
Vi uma lojinha no mercado cuja especialidade era a venda de pauzinhos chineses. Tinha-os de toda a qualidade e feitio, de várias cores, de vários tamanhos e materiais. Antevendo um gosto futuro pela coisa, comprei cerca de 20 caixas com 10 conjuntos cada para oferta e consumo próprio. Ainda hoje utilizo diariamente esses pauzinhos que trouxe da China em Março de 2005.
Depois de um dia inteiro a deambular por Guangzhou procurei, mais uma vez, um sítio para beber um café em condições, já que o café da véspera (ou algo parecido) não me preencheu a lacuna de cafeína, em défice havia já alguns dias. Apesar da máquina adequada, do tamanho da chávena (que não era balde), do cenário, não tinha nada a ver com um café como devia ser.
Hoje é que vai ser, pensei eu. Não vou falhar. A táctica: Ir a sítios onde abunda a clientela ocidental, consumidora tradicional de café, onde existe um serviço mais para ocidentais do que para o cliente local. O alvo: O bar de Hotéis 5* e afins. Siga. Entrei num hotel central com pompa e circunstância. Dois “generais” à porta, vénia, chapéu na mão e eu à procura do bar. Nem foi preciso procurá-lo muito, já que era bem visível do lobby. Primeira dificuldade. O bar não tem balcão, só serviço de mesas. Não me permite fiscalizar a operação de tiragem do café. Vou caprichar no pedido. Sentei-me e quase de imediato apareceu o empregado. Pedi-lhe o EXPRESSO COFFEE, NO MILK, SMALL CUP, NO SUGAR, SINGLE, … THANK YOU.
35 RMB (3,5€), normal para o sítio. Eficiente no serviço, normal para o sítio. Triplo abatanado, normal para o sítio. Será que estes gajos não têm mesmo Starbucks numa cidade deste tamanho?
Cama e 

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Continua...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Capítulo 8 - Diário - Viagem China



Capítulo 8 - Diário - Viagem China


20 de Março de 2005 - Domingo

Curioso. É Domingo e Guangzhou tem exactamente o mesmo turbilhão de pessoas que qualquer outro dia da semana.
Gente, gente, gente até mais não. Nos cruzamentos principais da cidade junto aos semáforos e às passadeiras de peões existe uma figura que eu nunca vi em qualquer outro lugar. É meio polícia, meio assistente de tráfego humano, exclusivo para passadeiras. Na China assistimos a “enxames” de gente a atravessá-las quando o sinal verde abre para os peões. No que toca a atravessar a rua, os chineses são um bocado indisciplinados, pelo que existe a necessidade de controlar a “manada” no seu ímpeto. A função destes polícias, que têm uma vara branca e vermelha tipo bengala antiga do ceguinho com cerca de dois metros, é conter a corrente humana quando o sinal está vermelho para os peões e abri-la quando é seguro faze-lo.
Na China as bicicletas são uma constante. À semelhança do automóvel que origina um trânsito caótico, a bicicleta é também uma forma popular de vencer distâncias. São aos milhões por todo o lado, quer seja na estrada, nas passadeiras ou no passeio. Existe uma nova versão. Têm motor eléctrico auxiliar e andam também nos passeios, a uma velocidade superior às convencionais e pregaram-me um “cagaço” tremendo. Indo eu a pé e no passeio, na hora de mudar de direcção avancei para onde pretendia ir sem olhar para o “retrovisor”. Na China e nos passeios, os peões têm mesmo que olhar antes de mudar de direcção. Lá vinha a bicicleta com motor eléctrico auxiliar a alta velocidade e ainda roçou na pasta que eu transportava, mas sem consequências de maior. E ainda por cima ralhou.
Fui, de novo, para o recinto da feira. Fiquei a mal com os taxistas pelo sucedido na véspera, pelo que aproveitei o metro para lá chegar. Bom e barato. Cheguei a horas decentes e entrei numa outra área que não tinha tido oportunidade de visitar no dia anterior. Desta não fui barrado pelos indígenas perfilados à porta, fardados e com cara de mau. Mais uma vez deparei-me com móveis e sofás fabricados na China e vendidos em Portugal por empresas de renome e a “preços da uva mijona”. Espectáculo. Mais do mesmo. Montes de catálogos, preços, condições de aquisição, condições de transporte, etc, etc, etc. Ao fechar da porta a mesma situação dos taxistas. Manguito. Metro até ao centro, junto ao hotel Guangdong.
A ida ao cabeleireiro é viciante. A minha droga. Até dá para adormecer, tipo bebé, na cadeira do salão. Se forem à China e virem dois cilindros na vertical, com barras às cores em espiral, um de cada lado da porta de entrada, estarão em frente a um dos sítios mais espectaculares que poderão visitar. Sentados na cadeira e serem massajados até às orelhas, é obra. Até arrepia. Recomposto, é hora de jantar. Optei pelos restaurantes com peixe vivo à porta. O peixe cozido no vapor, as lulas grelhadas, as vieras no vapor, os legumes no “Wok”, divinal. Tudo espectacular, quase tudo, porque café é desconhecido. Ainda tentei mas travei a tempo, antevendo um galão chinês “Caffée”. Rua. Caminhar precisa-se. Andar e ver onde há café. Tinham-me dito que havia “Starbucks” na China pelo que me resolvi a descobrir um destes antros da cafeína em Guangzhou. Dirigi-me para as ruas centrais da cidade, onde tradicionalmente se podem encontrar este tipo de lojas. Não encontrei nenhum “Starbucks” mas encontrei uma “cafetaria” na zona da mesquita, frequentado por muçulmanos africanos. É desta. Vi chávenas nas mesas com bom aspecto. Dirigi-me ao balcão e bingo. Lá estava a máquina expresso, com chávenas em cima, prontinha para soprar água quente canalizada e filtrada através das partículas castanhas do café prontas a cair dentro de uma recipiente redondo previamente aquecido. Brutal. Não falha. Desta vai mesmo. Era impossível não haver um café expresso em Guangzhou. Cá está, é para hoje, chávena pequena, meio cheio ou meio vazio tanto faz, com creme castanho, a fumegar, cheiroso, quentinho, aveludado, odorífero, perfumado. UÁU!!!
Eureka!!!
Parecia, de facto, café. E era, quer dizer, era quase. Era um parente afastado do café. Talvez um primo em sétimo grau, aparentado. Não sei se era da moagem, da qualidade da mistela, da qualidade da água ou simplesmente da habilidade do funcionário. Amargava que se fartava. Seria chicória chinesa? Ou rama de coco torrada? Na volta era soja transformada em café. Esses chineses copiam tudo, pá!!!
Brrrrrrrrrrrrrrrrrr! Nhac!


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Continua...

domingo, 9 de fevereiro de 2020

7º Capítulo - Diário - Viagem China



7º Capítulo - Diário

19 de Março de 2005 - Sábado

Decorria a feira “China International Furniture Fair Guangzhou” que foi, de resto, o principal motivo da minha viagem à China.Fui de manhã cedo para a feira, de táxi, após o pequeno-almoço farto no Guangdong Hotel. Mais uma vez recorri a um print da net para indicar ao taxista o destino pretendido.A Feira tinha as portas fechadas e apenas entravam as pessoas credenciadas, como funcionários e expositores das empresas presentes.As demonstrações de força são frequentes. Tudo é feito com um autoritarismo exacerbado. Talvez pelo complexo de estatura, pelo regime totalitário das últimas décadas ou até pela sua forma de ser, os chineses não perdem uma oportunidade de demonstrar que não brincam. No Ocidente é normal a palavra ser suficiente para desmotivar alguém que pretende ir para além do que pode ou deve, mas os chineses fazem questão de demonstrar a sua firmeza e autoridade quando o mesmo se passa em relação, por exemplo, a uma simples entrada antes da hora no recinto da feira. “Maria vai com as outras” e o “je”, não me apercebendo do facto, entrava no meio da maralha para entrar no recinto. Entrada barrada por três indígenas perfilados com cara de mau, um deles com a palma da mão encostada ao peito deste humilde servidor. Quase como bater numa parede e estancar. Apanhei um cagaço.Ainda me lembrei que talvez não tivesse cumprido todas as regras chinesas básicas e merecesse xelindró sem julgamento, aplicado de imediato por guardas da feira de Guangzhou, que ali estavam para punir ocidentais prevaricadores da lei e da ordem reinantes. Porra!!!Passado o cagaço e meia hora, lá entrei no recinto e comecei a visita pela vasta área de exposição. Brutal!!! Um mundo. Grande, com muito móvel e barato. Barato. Não me admiro que em Portugal a indústria esteja em recessão. A China produz tudo muito mais barato e com rapidez. Não conseguimos competir de igual para igual com países de mão-de-obra barata, sem regalias, sem horário de trabalho, sem dias de férias, sem sindicatos, em suma, com tudo o que a Ocidente não é possível (e bem). Cansei-me na feira. Um dia inteiro a ver, pedir preços, fotografar, analisar, etc.Saí da feira pouco antes desta fechar e nem metade tinha visitado. Cansado. Na volta para o hotel, os taxistas vendo os ocidentais aos molhos e desorientados, cobravam não ao taxímetro mas um preço fixo (o dobro ou triplo do custo da mesma viagem em sentido inverso) para levar de volta a manada aos hotéis. Puta que os pariu. Um manguito. Assisti a uma zanga tremenda de um chinês envergonhado com este comportamento, entrando em acesa discussão com um grupo. No entender dele era completamento vergonhoso aproveitarem-se das pessoas e não abonava nada na nova imagem da China moderna. Algo como a anedota que fala de uma companhia de aviação que cobrava apenas um dólar para levantar voo. O pior é que omitia que para aterrar cobrava 5.000 dólares.Entrei no moderno metro à toa, sem saber como pagar ou entrar. Lá mostrei o cartão do hotel a uma alma caridosa bem fardada que, em inglês mal amanhado, me disse que tinha que sair aqui, ir por ali, descer acolá, etc e tal. Pois, Pois.Decidido a sair numa das estações mais centrais e aí apanhar um táxi para finalmente me levar ao meu destino, saio e eis-me numa rua familiar, com árvores nos passeios e um prédio cor-de-rosa bem alto, mesmo à minha frente. Estava a 200 metros do Hotel Guangdong, o meu destino.Após um duche reconfortante vou à procura de uma tasca onde possa recompor o estômago da comida da treta ingerida nos restaurantes fast-food do recinto da feira. Maravilha. Aventurei-me um pouco mais e quando dei por mim estava numa zona de comida de rua. Quando vejo, actualmente, os programas sobre culinária de rua como o Anthony Bourdain, lembro-me de uma ruas de Guangzhou onde andei a picar espetadas grelhadas, vegetais assados e mais umas quantas coisas que não consegui perceber o que era.Café procura-se. Mais uma vez vi nessa zona muitos africanos muçulmanos, com os seus trajes característicos. Provavelmente a mesquita seria perto. Esta comunidade é consumidora de café e seria normal existir nas redondezas algum estabelecimento com produtos específicos desta comunidade. Népia. Nada. Uma semana sem beber um café em condições já dá para desesperar. De regresso ao hotel por um outro trajecto, reparei num centro comercial pejado de telemóveis. Milhares e milhares. Entrei e eis que, no meio daquela confusão de telemóveis, reparo numa máquina de café, semelhante às que se vêm hoje um pouco por todo o lado, para serviço aos clientes. Fiz-me interessado nos telemóveis a piscar o olho ao café. É desta é que é. Convidei o senhor que me atendeu a oferecer-me um café. Espectáculo. Parece que adivinhou. Ainda não tinha acabado bem a frase já este me estendia um copo a fumegar. Este chineses são do caraças!!! Ninguém os bate em termos de serviço, de dedicação, de empenho. Para eles o trabalho é um direito e não um dever. O homem estava ali para fazer com que ocidentais que procuram café fossem atendidos da melhor forma possível, sem margem para dívidas. Pois, a fumegar, sim. O chá, de jasmim, estava espectacular, talvez um pouco quente. Com o rabo entre as pernas lá fui de regresso ao hotel beber cariocazito da ordem, desta vez tirado em chávena grande, já que o funcionário do bar resolveu que eu tinha cara de quem bebia muita quantidade.

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Continua...


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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

6º Capítulo - Diário - Viagem China



6º Capítulo - Diário - Viagem China 

18 de Março de 2005 - Sexta Feira


O voo para Guangzhou é às 10.45 da manhã, quero lá estar uma hora e meia antes. Levanto-me às seis e meia, tomo o pequeno-almoço às sete e meia. Antes tenho que colocar no papel alguns devaneios mentais que me vão assolando a ideia. O isolamento no Oriente está-me a dar cabo dos neurónios. A falta de comunicação em português e a ausência de pessoas que me são próximas faz mossa.
Táxi para o aeroporto e voo 5 estrelas.
A companhia que efectuou o transporte é uma das melhores em que alguma vez andei. China Eastern, salvo erro. Avião novinho em folha, hospedeiras novinhas em folha, comida boa qb, confortável, rápido, eficiente, sem objecções, sem atrasos.
Ningbo tem graves problemas de poluição, como quase todas as áreas urbanas chinesas, mas salta à vista a forma desordenada e caótica como foi crescendo, sem o mínimo respeito pela natureza e pelos seres humanos que aqui (sobre) vivem. Na esperança de “tapar o sol com a peneira”, o governo chinês lá vai promovendo operações de cosmética nos principais hotéis das cidades, sitio privilegiado de contacto com os ocidentais que lá se deslocam, na esperança de dar uma imagem positiva desta nova China capitalista, que tresanda a dinheiro, onde todos o querem fazer muito e depressa.
Chegado, já com hospedagem marcada pela Joanna Zhu, fiz o check-in num excelente hotel de quatro estrelas numa zona central de Guangzhou, ou Cantão, capital de GuangDong, uma das provincias mais a sul do território chinês, contíguo a Hong-Kong.
GuangDong Hotel, nem mais nem menos. Onde lavar três camisas, três polos, seis pares de meias, seis cuecas e 2 pares de calças custaram a módica quantia de 75 RMB, ou seja, 7,5 €. Tudo devidamente embalado , dobrado e engomado individualmente. Vale a pena ir à China só pela lavagem da roupa.
Após saber que a China é um país onde se pode andar na maior parte dos sítios sem problemas de assaltos ou de qualquer outro tipo de incómodo, aventurei-me por ruas que quase tenho a certeza nunca terem sido visitadas por ocidentais, por estarem em lugares tão recônditos e inacessíveis. Frequentemente provocava expressões de espanto por parte dos idosos e crianças que encaravam comigo de surpresa. “Que raio de bicho é este ?” pareciam dizer as faces interrogadas que a idade não tinha habilidade para disfarçar. Frequentemente reparei em crianças que, ao encarar comigo, procuravam protecção junto das mães, num misto de medo e indisfarçável interrogação.
Os mercados de carne crua não se pode lá entrar, tal é o cheiro pestilento que emanam. O mais próximo que consegui foi a porta. Creio ter entendido que na china existe um mercado de produtos secos muito forte, onde peixe, insectos, carne e toda uma panóplia de comida seca é vendida a peso, com os cartuxos de papel pardo que antigamente se usavam nas mercearias. Estão a granel em sacos de ráfia e serapilheira expostos no chão e em prateleiras nas lojas da especialidade. Os mercados de vegetais são dos mais completos que alguma vez vi. É impressionante a forma como os preparam, chegando a ser duma meticulosidade impressionante a forma como embalam e organizam os molhos de vegetais. Os peixes são comercializados vivos, mantidos em tanques oxigenados por centenas de metros de tubo ligados a pequenos compressores que não se cansam de deitar “bolhinhas” para manter a água em boas condições. Após ter feito a entrada no hotel fui fazer um reconhecimento à área envolvente.
Guangzhou é a capital da província de Guangdong, no sul da China. É uma cidade com mais de 5 milhões de habitantes. Sendo uma das cidades com elevado índice de crescimento, necessita de um constante fluxo de mão-de-obra oriundo de zonas mais desfavorecidas, como as províncias do interior. Está a rebentar pelas costuras. Também em Guangzhou se faz a tradicional Canton Fair, uma das feiras internacionais mais conhecidas em todo o mundo. Para essa altura do ano (normalmente Abril) os hotéis têm marcações de um ano para o outro e a preços proibitivos.
Recaí no barbeiro, só que em vez de cortar, optei pela lavagem e massagem. Espectacular!!!
Estes dias muito movimentados cansam. Após o jantar numa tasca onde pedi algo pela foto da ementa, rua, à procura de café. No Mcdonalds levo com a água choca. No KFC idem, idem. Será que estes gajos não têm Starbucks? Bem que procurei, mas nada.
Regressei ao hotel e optei por beber um expresso à maneira do funcionário do bar. Já estou por tudo. O que vier, morre. Coração ao largo. Mas este hotel é mesmo bom. Para além do barman me entender, percebeu também o que eu queria e, dentro das possibilidades, lá bebi um “cariocazito” antes de regressar ao quarto.

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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

5º Capítulo - Diário - Viagem China


5º Capítulo - Diário - Viagem China


17 de Março de 2005  Quinta-Feira


Levantei-me às 6.30. Apetece-me escrever umas coisas. Às sete e meia já estava a tomar o pequeno-almoço no enorme restaurante do Hotel. Novamente excelente. Deliciei-me com couves temperadas, salsichas, pão, café (água choca), sumo de laranja e mais uma panóplia de coisas que não identifiquei mas bastante boas. No sul da China é habitual dizer que se come tudo o que tenha quatro pernas, excepto uma mesa de cozinha.

Na China, por vezes, comem-se algumas coisas sem saber exactamente do que se trata.Às 8.30 lá estava a Joanna com o motorista no hall do hotel. Seguimos viagem rumo ao sul, junto à faixa costeira (mar amarelo, creio) durante cerca de 2 horas e tal. Percorremos pouco mais de150 km por estradas sinuosas, com passadeiras e motorizadas. Chegados a Xiangshan, uma zona industrial em que a principal actividade é a produção de roupa. Uma grande parte da roupa produzida na China é fabricada nesta zona. Emprega milhões de pessoas. É uma espécie de Minho do final do século XX cá em Portugal, elevado a 100. Milhares de fábricas compõem estes parques industriais. No meio lá estavam algumas fábricas de móveis que fomos visitar.Surpresa da viagem. Verdadeiramente surpreendente. Encontrei o fabricante de uma conhecida empresa portuguesa de importação de móveis, presença regular em feiras da especialidade e com um excelente naipe de produtos. Nem queria acreditar. No meio de centenas de milhar de fábricas e fabriquetas de móveis, coincidência do caraças, dar de caras com o principal fabricante desta empresa na China. Estamos a falar de um território com, aproximadamente, o tamanho da Europa. O mundo é mesmo muito pequeno. Na fábrica e após o proprietário se aperceber que eu era oriundo de Portugal, foi buscar um folheto dessa empresa e mostrou-mo. Percebi de imediato de que empresa se tratava e descrevi sinais exteriores do português que lá costumava ir, gerando um espanto geral entre todos. Vivemos numa pequena aldeia global. Após visitarmos a fábrica, o dono ofereceu o almoço numa marisqueira local.Uma das principais dificuldades é estar permanentemente à margem da conversa. A língua comum durante o almoço era chinês, obviamente, bem como em todas as conversas tidas com os locais. A Joanna Zhu traduzia-me o que lhe parecia relevante. Cheguei à conclusão que a nossa língua é mesmo algo muito importante. Sem a nossa língua estamos perdidos. A nossa língua é a nossa casa, é o calor do lar.Novamente espectacular. Nem sei bem o que comi, mas que era muito bom era e não pesou no estômago toda a tarde. De regresso a Ningbo apanhámos um ferry ao atravessarmos um braço de mar com uma paisagem mais próxima daquela que era o meu imaginário da China: Pagodes e uma zona mais verde e rural, com pequenas passagens pedonais entre os campos pintados do verde natural do arroz em crescimento. Passamos ainda por outro fabricante de móveis interessantes que nos convidou para jantar, às 5 da tarde. Népia, não havia fome. Jantar às 8.00, no mesmo restaurante, o tal dos 200 cozinheiros. Outra vez divinal, lulas salteadas, peixe branco cozido ao vapor, vegetais, vieiras com um molho espectacular, rebentos de bambú, melancia, tofu chinês e chá verde a acompanhar. Desta não me lixavam mais, café precisa-se. Desta não me enganam. Lá fui todo lampeiro ao bar do hotel, o tal do triplo abatanado com espuma branca.No percurso passei por cinemas e ainda pensei em ir ver um filme. Pensando bem o que é que iria fazer para um cinema chinês? Ouvir o Harrison Ford com sotaque Contonense? Ou a Madona a cantar em mandarim? Veio-me à ideia a minha infância e as sessões de Domingo à tarde, na União Recreativa e desportiva de Fontanelas e Gouveia, quando tínhamos “Índios e Cowboys”, “Polícias e Ladrões”, “Príncipes Valentes” e “Robins dos Bosques”, consoante a matiné, trazida por um funcionário do Grémio da Lavoura de Sintra, cinéfilo e cineasta amador, o Sr. José Maria, que nos tempos livres passava fitas no lençol do palco para gáudio da miudagem e pasmo dos adultos. Por vinte e cinco tostões de cinema e dez tostões de amendoins, passava uma tarde de domingo inesquecível.Vamos ao café. Frisei: ”Expresso coffee, Expresso, small cup, half, half, strong, double!” “Stlong, stlong?” “Yes!!!”, respondi. Mas por via das dúvidas lá fiquei à espera da porrada, não fosse a rapariga distrair-se. Desta é que foi, pensei. Bolas. Ao fim de quase uma semana na China e ainda não bebi um café em condições. Será tão difícil assim servir uma bica cheirosa? Foi buscar a chávena com cuidado ao balcão por detrás dela, pôs debaixo do bico da máquina e ligou. “ Yeeeeeeessssssssssss”. É isso mesmo. Boa. Consegui. “Água mole em pedra dura…” Vale a pena sermos persistentes, teimosos, nunca desistir do que queremos, exprimirmo-nos com convicção, por vezes um pouco mais alto para as pessoas perceberem... . Já está. Desligou e pôs-me o café à frente… com leite. Descobri de imediato o porquê da chávena estar virada para cima e ela a ter manejado com cuidado. Bolas. Já tinha lá o leite dentro.“Thank You”, um riso e um aceno com a cabeça e estás despachado.Cama... 

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Continua…

domingo, 26 de janeiro de 2020

4º Capítulo - Diário - Viagem China



4º Capítulo - Diário - Viagem China


16 de Março de 2005 - Quarta Feira



Levantar cedo e tomar um bom pequeno-almoço. 90 euros pela estadia têm que proporcionar algum conforto extra.
Nesse mesmo dia estava prevista uma viagem a Cixi, ligeiramente a Norte, a meio caminho de Shangai. 250 RMB para 120 Km num audi novinho, branco, dando ares de novo-riquismo. É a “cara chapada” da China do século XXl. Montes de sinais exteriores de riqueza onde a ostentação é uma palavra de ordem. Dinheiro, dinheiro e mais dinheiro.
Nesta altura do campeonato questionam-se V.Exas. como é que eu comia. Com os pauzinhos ou com faca e garfo? Desde o primeiro dia que passei a comer com pauzinhos (e assim passei a comer em casa desde 2005), embora o mais complicado não fosse comer dessa forma, mas sim ter uma refeição sem prato raso onde se coloca a comida, tirada com uma colher de servir, maior. Na China (e nas refeições de grupo em que participei), tínhamos a mesa redonda e outra mais pequena por cima da principal, que roda com as iguarias escolhidas. Retiramos os produtos da travessa com os nossos próprios pauzinhos, tendo como suporte um prato de sobremesa. Que desassossego! Actualmente consigo retirar até ao último bago de arroz do prato, tal é a destreza que o treino contínuo me proporcionou. À data conseguia pôr toda a gente a rir e a fazer comentários pouco abonatórios entre dentes. 
Já tinha começado a aventura dos pauzinhos nos restaurantes desde que comecei a comer na China. Ora umas vezes com mais sucesso quando era o caso de comida pouco lisa, mas o caso mudou de figura quando fui buscar um ovo de codorniz ao prato, que escorregava por tudo quanto era sitio. Burro. Não me lembrei que os pauzinhos também espetam.
Encontrei-me com a Joanna Zhu em Cixi, onde comecei a visita as fábricas de móveis de estilo tradicional chinês. Lacados, envernizados rústicos, encerados rústicos, etc. Um mundo com muitos móveis domésticos. Fomos a algumas fábricas e armazéns. Os móveis chineses tinham um custo bastante acessível, muito barato. A dificuldade está na quantidade, na qualidade, na necessidade de ter “stock”, no tempo com o dinheiro empatado, custos de viagem, em suma, estrutura para gerir tudo isto.
Descobri que a cozinha chinesa é bastante boa, diria mesmo muitíssimo boa. Tem uma grande variedade de vegetais, peixe, carne, etc. Tenho comido muito bem e barato.
Outro pormenor importante é o facto das nossas distâncias não terem nada a ver com as deles. Para nós ir de Lisboa a Leiria são 130 km, 1 horita mais ou menos. Para fazer o mesmo percurso em distâncias equivalentes temos que pensar no estado do piso, na ausência de cruzamentos desnivelados, no trânsito caótico, nos camiões que não saem da faixa da esquerda, das bicicletas de 3 rodas que estorvam que se fartam, nos tractores a 30 à hora e nos milhões de bicicletas que passam nas passadeiras, onde ninguém lhes cede passagem, mas que na hora da verdade são tantos que não dá para passar por cima. A máxima para andar na estrada é passar depressa, primeiro que o outro mas sem causar acidentes. É completamente proibido tocar no que quer que seja. Evitam o acidente a todo o custo, à custa da buzina e de uma condução que não alcança o que está só imediatamente à sua frente, lêem o trânsito duma forma diferente. Ou seja, este mesmo percurso demorou 2 a 3 horas. Curioso, que apesar desta balbúrdia toda, não vi nenhum acidente, só um toque numa bicicleta que se atravessou à frente de repente, tendo só visto a proprietária a levantar-se com uma rapidez fora do normal e a esfregar a perna dorida.
De volta a Ningbo, Joanna Zhu convidou-me para jantar, juntamente com o seu motorista. Acedi. Estava com uma fome de lobo. Tinha tomado o pequeno-almoço do hotel às 9.00, onde enchi o bandulho com o equivalente a dois ou três. O entusiasmo das visitas às fábricas, associado ao facto de fazermos muitos quilómetros, fez com que passássemos o almoço em branco.
Fomos jantar a um restaurante espectacular com 9000 m2, 200 cozinheiros, 300 auxiliares de mesa, 4 pisos, 500 m2 de montra com peixe vivo, vegetais, mariscos e uma panóplia de produtos para confeccionar. Tudo é confeccionado na hora por um cozinheiro que está só a cozinhar os produtos por nós escolhidos. É uma comida espectacular, que não tem nada a ver com a cozinha chinesa que se come em Portugal e na Europa em geral, onde a ementa é ocidentalizada de forma a ser mais facilmente adaptada ao paladar europeu. Um manjar digno de reis, acompanhado com chá verde. Conta paga pela Joanna. 180 rmb (18€), nem mais. Em Portugal teria sido 5 ou 6 vezes esta importância. Restaurante chinês que se preze não tem café. Só chá.
Chá verde. Todos os restaurantes em que entrei tinham como “entrada” chá verde na mesa. Sempre. Cá em Portugal temos pão, azeitonas, manteiga, etc. O equivalente na China é o chá verde. Bebem-se hectolitros daquela aguadilha amarelada antes de vir a comida. Será para preparar o organismo. Para “ganhar cama” para a comida?
Nesta altura já tinha assentado arraiais num novo hotel, por metade do preço do outro e com as mesmas condições ou melhores. De volta ao dito hotel tinha sondado o bar e tentado perceber se tinham café. Ah desta é que vai um cafezinho à maneira. Pedi um Black Coffee, sem fazer especial ênfase no Coffee, não fosse a rapariga se lembrar do “Caffee”, o tal galão chinês. Resultou. Ela percebeu, “no milk”, “nice”, “half cup, litle”. “Good, good!!!” Espectáculo! Esta, sim. Está habituada, conhece os europeus, “sabe da poda”. Este hotel, sim. Estes funcionários já estão quase mestres a tirar cafés para europeus carentes de cafeína e desejosos do perfume torrado. O creme perfumado do café a subir ao céu da boca em perfeita harmonia com as o seu aroma adocicado. Na minha memória olfactiva originada pela vertigem aromática, via-me, à distância de 30 anos, na principal rua de Sintra a cheirar o aromático vapor da torrefacção do Supermercado Baetas que, às quatro da tarde em ponto, inundava-me o cérebro e a rua Heliodoro Salgado.
Foi o meu azar. Baixei a guarda e quando dou pela coisa estou a levar com um abatanado com uma espuma branquinha que metia dó, tipo carioca triplo. Não dei parte de fraco e agradeci, para além de pagar 35 rmb (3,5€, toma que já almoçaste). Cama, que o dia tinha sido muito longo.
Pela 2ª ou 3ª vez esqueci-me de colocar o telefone no silêncio. TTrrrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiiimmmmmmmmm. Puta que o pariu!!!! Às 3 da manhã, “TOU?” “Epá, tás a dormir ou quê? Às 8 horas da tarde?” Pois... Ainda a sofrer do Jet lag, pregar olho foi uma tarefa árdua.

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quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

3º Capítulo - Diário - Viagem China



3º Capítulo - Diário

15 de Março de 2005 - Terça Feira

Trrrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmm.
“Tou sim?”.
“Então, pá. Já estás deitado? Tão cedo?”
Pois… Esqueci-me de tirar o som ao telemóvel e em Shenzhen o fuso horário é ligeiramente diferente. Ligeiramente… 7 horas.
Pequeno almoço. O Master Club Hotel era um hotel para chineses, sem quaisquer pretensões de atingir uma clientela internacional. Tudo estava feito para o modo de vida chinês. Não tinham pequeno-almoço que me cheirasse, o que me levava para a rua à procura de bancas com pãezinhos cozidos no vapor, crepes ou fruta. Nem sequer a ementa era legível.
Depois de levantar cedo, fazer o “Check-Out” (Check-Out sim, porque estou muito inglesado) pedi à recepcionista para me chamar a gerente, pois queria que o bilhete de avião fosse marcado por alguém que eu percebesse e fosse percebido. Muito solícita, lá apareceu a gerente que tratou tudo ao telefone com alguém do outro lado da linha. Tudo bem, 1210 RMB (cash) do lado de lá, 1 hora à espera e bilhete do lado de cá. Táxi para o aeroporto de Shenzhen, onde iria apanhar o avião para Ningbo, 1000 km acima na provincia de Zhejiang. Após o motorista do táxi ter posto 30 vezes a minha vida e a dele em risco, lá chegamos ao aeroporto, onde era suposto embarcar às 11.30 e só embarquei às 15.00, por questões não esclarecidas. Aqui deu direito a máquina raio x, revista à mala de mão, abrir a garrafa de água e cheirar (porque poderia ser uma arma mortífera disfarçada de simples água), revista com detector de metais tipo pórtico e também manual, depois de me terem posto em cima de um tamborete preparado para o efeito (parecia um elefante em cima dos adereças do circo a ser examinado à lupa). Viagem porreira.
Chegado a Ningbo, a mesma ravienga aos taxistas, nunca aceitar os que se oferecem. Lá segui direitinho ao hotel previsto: “No Loom, Solly”. Olha o cabrão, nem olhou para mim. Dirigi-me ao da frente. A mesma treta “No Loom, Solly”. Fui à pasta “hotéis Ningbo” e népia.. Descobri mais tarde a razão de estar cheio. Tal como eu, grande parte dos clientes de hotel procura na net alojamento com uma boa relação qualidade/preço, tendo em conta o número de estrelas que o hotel tem, embora também viesse a perceber que o que é anunciado é uma coisa e o que apresentam não tem nada a ver. Se virem o Master Club Shenzhen ( http://www.sinohotelguide.com/shenzhen/master/ ) até parece ter bom aspecto e habitável. Parece. Não tinha previsto este percalço para Ningbo.
Fez-me lembrar Londres em Agosto de 1983. Um mês depois de lá estar, arranjei um quarto melhor e mais barato. Fiz a mudança dos trapos durante o dia e fui para o restaurante onde trabalhava. Fixe. Fixe se o encontrasse à uma da manhã, quando saí do trabalho. Fartei-me de procurar e não encontrava o Imperial College, em Evelyn Gardens. Encostei-me num banco até de manhã e ao raiar da aurora com luz do dia foi fácil.
De repente vi-me na rua, quase de noite, sem hotel. Dupla dificuldade. Táxis sempre ocupados e transeuntes que só falam chinês. Mas eis que passa uma alma caridosa que arranha qualquer coisa de inglês e me escreve o nome de um hotel num pedaço de papel que, segundo ele, era bom e barato. Lá passou um taxista que parou e eu, triunfante, mostrei-lhe o que estava escrito no papel. O taxista olhou, tornou a olhar e perguntou-me : “O bae la, o bae ca ?” e eu muito convictamente lhe respondi : “o bae la”. Erro. Quando dei por mim estava no meio de um subúrbio do mais manhoso que vi em toda a China e já tínhamos andado meia hora para “lá” e estava a anoitecer, até que o mandei dar a volta, “O bae ca Ningbo” (perceberam?), ao que ele perguntou :”Ninbo ca?” e eu “Oué”. Consegui, em pleno traço duplo contínuo, com camiões, bicicletas, automóveis, motorizadas a passar como fosse o ultimo dia da vida deles, eis que vai de virar e quem quiser que espere. Triplicou o número de buzinadelas que deveriam estar nos 2000 decibéis. Completamente de noite, meia hora e 120 RMB depois estava em frente a um hotel de 5 estrelas que não tive coragem de deixar e pagar 900 RMB (arrota que é pescada!!!). Não tem nada a ver com o Hotel d 5 estrelas mas tem que ser mencionado: o Escarro. Sim, isso mesmo, os chineses passam a vida a puxar a escarreta e a largá-la ao sol. Faz parte do esquema social, a velha escarreta, bem puxada, com direito a bolhinhas e tudo, tipo bola de sabão.
Este hotel tinha uma espécie de bar americano dando ares de saloon texano, onde o Bruce Springsteen e o Kenny Rodgers se cruzavam na barulhenta aparelhagem sonora. Era um sítio que cerveja Budweiser e mesas de snooker deveriam ser unha com carne. De facto, para ser completamente piroso só faltava o carrão descapotável americano, cor-de-rosa e com estofos forrados de pele de vaca, alojando duas louraças mamalhudas em biquíni reduzido.
Estes dias cansam muito. Para fechar a noite só mesmo um cafezinho, curto, com espuma castanha, perfumado. Fiz questão de me dirigir ao balcão e ver, a par e passo, o evoluir da tiragem do dito. Hotel de cinco estrelas tem tudo. Até máquina expresso para os clientes ocidentais, pensei. Havia já alguns dias que não cheirava nada que se parecesse com “bica”, pelo que não poderia descurar esta parte.
“Expresso coffee????” Small, (fazia eu os gestos com o polegar e o indicador da mão direita), half cup.
“Oué! Caffee”.
Hotel 5 estrelas, estão habituados, a malta que quer café, estes gajos sabem o que é que os clientes querem, têm formação, conhecem a oferta global, têm um bom serviço, são atenciosos, vão de encontro às necessidades do cliente, qualificam, têm cada vez mais gente cá, não se podem dar ao luxo de impingirem qualquer treta, não são nada burros, são empresários, compreendem os mecanismos da lei da oferta e da procura, uma máquina expresso não é assim tão cara, os italianos são uns furões do caraças e já estão a exportar para a china há montes de tempo, etc e tal …
Interrompi os meus pensamentos quando, à minha frente, a funcionária coloca uma chávena vazia e saca de uma cafeteira com uma espécie de água choca e enche o “balde”. Nem cheirava a nada.
O que valeu é que o quarto era mesmo bom.


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Continua...