sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

5º Capítulo - Diário - Viagem China


5º Capítulo - Diário - Viagem China


17 de Março de 2005  Quinta-Feira


Levantei-me às 6.30. Apetece-me escrever umas coisas. Às sete e meia já estava a tomar o pequeno-almoço no enorme restaurante do Hotel. Novamente excelente. Deliciei-me com couves temperadas, salsichas, pão, café (água choca), sumo de laranja e mais uma panóplia de coisas que não identifiquei mas bastante boas. No sul da China é habitual dizer que se come tudo o que tenha quatro pernas, excepto uma mesa de cozinha.

Na China, por vezes, comem-se algumas coisas sem saber exactamente do que se trata.Às 8.30 lá estava a Joanna com o motorista no hall do hotel. Seguimos viagem rumo ao sul, junto à faixa costeira (mar amarelo, creio) durante cerca de 2 horas e tal. Percorremos pouco mais de150 km por estradas sinuosas, com passadeiras e motorizadas. Chegados a Xiangshan, uma zona industrial em que a principal actividade é a produção de roupa. Uma grande parte da roupa produzida na China é fabricada nesta zona. Emprega milhões de pessoas. É uma espécie de Minho do final do século XX cá em Portugal, elevado a 100. Milhares de fábricas compõem estes parques industriais. No meio lá estavam algumas fábricas de móveis que fomos visitar.Surpresa da viagem. Verdadeiramente surpreendente. Encontrei o fabricante de uma conhecida empresa portuguesa de importação de móveis, presença regular em feiras da especialidade e com um excelente naipe de produtos. Nem queria acreditar. No meio de centenas de milhar de fábricas e fabriquetas de móveis, coincidência do caraças, dar de caras com o principal fabricante desta empresa na China. Estamos a falar de um território com, aproximadamente, o tamanho da Europa. O mundo é mesmo muito pequeno. Na fábrica e após o proprietário se aperceber que eu era oriundo de Portugal, foi buscar um folheto dessa empresa e mostrou-mo. Percebi de imediato de que empresa se tratava e descrevi sinais exteriores do português que lá costumava ir, gerando um espanto geral entre todos. Vivemos numa pequena aldeia global. Após visitarmos a fábrica, o dono ofereceu o almoço numa marisqueira local.Uma das principais dificuldades é estar permanentemente à margem da conversa. A língua comum durante o almoço era chinês, obviamente, bem como em todas as conversas tidas com os locais. A Joanna Zhu traduzia-me o que lhe parecia relevante. Cheguei à conclusão que a nossa língua é mesmo algo muito importante. Sem a nossa língua estamos perdidos. A nossa língua é a nossa casa, é o calor do lar.Novamente espectacular. Nem sei bem o que comi, mas que era muito bom era e não pesou no estômago toda a tarde. De regresso a Ningbo apanhámos um ferry ao atravessarmos um braço de mar com uma paisagem mais próxima daquela que era o meu imaginário da China: Pagodes e uma zona mais verde e rural, com pequenas passagens pedonais entre os campos pintados do verde natural do arroz em crescimento. Passamos ainda por outro fabricante de móveis interessantes que nos convidou para jantar, às 5 da tarde. Népia, não havia fome. Jantar às 8.00, no mesmo restaurante, o tal dos 200 cozinheiros. Outra vez divinal, lulas salteadas, peixe branco cozido ao vapor, vegetais, vieiras com um molho espectacular, rebentos de bambú, melancia, tofu chinês e chá verde a acompanhar. Desta não me lixavam mais, café precisa-se. Desta não me enganam. Lá fui todo lampeiro ao bar do hotel, o tal do triplo abatanado com espuma branca.No percurso passei por cinemas e ainda pensei em ir ver um filme. Pensando bem o que é que iria fazer para um cinema chinês? Ouvir o Harrison Ford com sotaque Contonense? Ou a Madona a cantar em mandarim? Veio-me à ideia a minha infância e as sessões de Domingo à tarde, na União Recreativa e desportiva de Fontanelas e Gouveia, quando tínhamos “Índios e Cowboys”, “Polícias e Ladrões”, “Príncipes Valentes” e “Robins dos Bosques”, consoante a matiné, trazida por um funcionário do Grémio da Lavoura de Sintra, cinéfilo e cineasta amador, o Sr. José Maria, que nos tempos livres passava fitas no lençol do palco para gáudio da miudagem e pasmo dos adultos. Por vinte e cinco tostões de cinema e dez tostões de amendoins, passava uma tarde de domingo inesquecível.Vamos ao café. Frisei: ”Expresso coffee, Expresso, small cup, half, half, strong, double!” “Stlong, stlong?” “Yes!!!”, respondi. Mas por via das dúvidas lá fiquei à espera da porrada, não fosse a rapariga distrair-se. Desta é que foi, pensei. Bolas. Ao fim de quase uma semana na China e ainda não bebi um café em condições. Será tão difícil assim servir uma bica cheirosa? Foi buscar a chávena com cuidado ao balcão por detrás dela, pôs debaixo do bico da máquina e ligou. “ Yeeeeeeessssssssssss”. É isso mesmo. Boa. Consegui. “Água mole em pedra dura…” Vale a pena sermos persistentes, teimosos, nunca desistir do que queremos, exprimirmo-nos com convicção, por vezes um pouco mais alto para as pessoas perceberem... . Já está. Desligou e pôs-me o café à frente… com leite. Descobri de imediato o porquê da chávena estar virada para cima e ela a ter manejado com cuidado. Bolas. Já tinha lá o leite dentro.“Thank You”, um riso e um aceno com a cabeça e estás despachado.Cama... 

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Continua…

domingo, 26 de janeiro de 2020

4º Capítulo - Diário - Viagem China



4º Capítulo - Diário - Viagem China


16 de Março de 2005 - Quarta Feira



Levantar cedo e tomar um bom pequeno-almoço. 90 euros pela estadia têm que proporcionar algum conforto extra.
Nesse mesmo dia estava prevista uma viagem a Cixi, ligeiramente a Norte, a meio caminho de Shangai. 250 RMB para 120 Km num audi novinho, branco, dando ares de novo-riquismo. É a “cara chapada” da China do século XXl. Montes de sinais exteriores de riqueza onde a ostentação é uma palavra de ordem. Dinheiro, dinheiro e mais dinheiro.
Nesta altura do campeonato questionam-se V.Exas. como é que eu comia. Com os pauzinhos ou com faca e garfo? Desde o primeiro dia que passei a comer com pauzinhos (e assim passei a comer em casa desde 2005), embora o mais complicado não fosse comer dessa forma, mas sim ter uma refeição sem prato raso onde se coloca a comida, tirada com uma colher de servir, maior. Na China (e nas refeições de grupo em que participei), tínhamos a mesa redonda e outra mais pequena por cima da principal, que roda com as iguarias escolhidas. Retiramos os produtos da travessa com os nossos próprios pauzinhos, tendo como suporte um prato de sobremesa. Que desassossego! Actualmente consigo retirar até ao último bago de arroz do prato, tal é a destreza que o treino contínuo me proporcionou. À data conseguia pôr toda a gente a rir e a fazer comentários pouco abonatórios entre dentes. 
Já tinha começado a aventura dos pauzinhos nos restaurantes desde que comecei a comer na China. Ora umas vezes com mais sucesso quando era o caso de comida pouco lisa, mas o caso mudou de figura quando fui buscar um ovo de codorniz ao prato, que escorregava por tudo quanto era sitio. Burro. Não me lembrei que os pauzinhos também espetam.
Encontrei-me com a Joanna Zhu em Cixi, onde comecei a visita as fábricas de móveis de estilo tradicional chinês. Lacados, envernizados rústicos, encerados rústicos, etc. Um mundo com muitos móveis domésticos. Fomos a algumas fábricas e armazéns. Os móveis chineses tinham um custo bastante acessível, muito barato. A dificuldade está na quantidade, na qualidade, na necessidade de ter “stock”, no tempo com o dinheiro empatado, custos de viagem, em suma, estrutura para gerir tudo isto.
Descobri que a cozinha chinesa é bastante boa, diria mesmo muitíssimo boa. Tem uma grande variedade de vegetais, peixe, carne, etc. Tenho comido muito bem e barato.
Outro pormenor importante é o facto das nossas distâncias não terem nada a ver com as deles. Para nós ir de Lisboa a Leiria são 130 km, 1 horita mais ou menos. Para fazer o mesmo percurso em distâncias equivalentes temos que pensar no estado do piso, na ausência de cruzamentos desnivelados, no trânsito caótico, nos camiões que não saem da faixa da esquerda, das bicicletas de 3 rodas que estorvam que se fartam, nos tractores a 30 à hora e nos milhões de bicicletas que passam nas passadeiras, onde ninguém lhes cede passagem, mas que na hora da verdade são tantos que não dá para passar por cima. A máxima para andar na estrada é passar depressa, primeiro que o outro mas sem causar acidentes. É completamente proibido tocar no que quer que seja. Evitam o acidente a todo o custo, à custa da buzina e de uma condução que não alcança o que está só imediatamente à sua frente, lêem o trânsito duma forma diferente. Ou seja, este mesmo percurso demorou 2 a 3 horas. Curioso, que apesar desta balbúrdia toda, não vi nenhum acidente, só um toque numa bicicleta que se atravessou à frente de repente, tendo só visto a proprietária a levantar-se com uma rapidez fora do normal e a esfregar a perna dorida.
De volta a Ningbo, Joanna Zhu convidou-me para jantar, juntamente com o seu motorista. Acedi. Estava com uma fome de lobo. Tinha tomado o pequeno-almoço do hotel às 9.00, onde enchi o bandulho com o equivalente a dois ou três. O entusiasmo das visitas às fábricas, associado ao facto de fazermos muitos quilómetros, fez com que passássemos o almoço em branco.
Fomos jantar a um restaurante espectacular com 9000 m2, 200 cozinheiros, 300 auxiliares de mesa, 4 pisos, 500 m2 de montra com peixe vivo, vegetais, mariscos e uma panóplia de produtos para confeccionar. Tudo é confeccionado na hora por um cozinheiro que está só a cozinhar os produtos por nós escolhidos. É uma comida espectacular, que não tem nada a ver com a cozinha chinesa que se come em Portugal e na Europa em geral, onde a ementa é ocidentalizada de forma a ser mais facilmente adaptada ao paladar europeu. Um manjar digno de reis, acompanhado com chá verde. Conta paga pela Joanna. 180 rmb (18€), nem mais. Em Portugal teria sido 5 ou 6 vezes esta importância. Restaurante chinês que se preze não tem café. Só chá.
Chá verde. Todos os restaurantes em que entrei tinham como “entrada” chá verde na mesa. Sempre. Cá em Portugal temos pão, azeitonas, manteiga, etc. O equivalente na China é o chá verde. Bebem-se hectolitros daquela aguadilha amarelada antes de vir a comida. Será para preparar o organismo. Para “ganhar cama” para a comida?
Nesta altura já tinha assentado arraiais num novo hotel, por metade do preço do outro e com as mesmas condições ou melhores. De volta ao dito hotel tinha sondado o bar e tentado perceber se tinham café. Ah desta é que vai um cafezinho à maneira. Pedi um Black Coffee, sem fazer especial ênfase no Coffee, não fosse a rapariga se lembrar do “Caffee”, o tal galão chinês. Resultou. Ela percebeu, “no milk”, “nice”, “half cup, litle”. “Good, good!!!” Espectáculo! Esta, sim. Está habituada, conhece os europeus, “sabe da poda”. Este hotel, sim. Estes funcionários já estão quase mestres a tirar cafés para europeus carentes de cafeína e desejosos do perfume torrado. O creme perfumado do café a subir ao céu da boca em perfeita harmonia com as o seu aroma adocicado. Na minha memória olfactiva originada pela vertigem aromática, via-me, à distância de 30 anos, na principal rua de Sintra a cheirar o aromático vapor da torrefacção do Supermercado Baetas que, às quatro da tarde em ponto, inundava-me o cérebro e a rua Heliodoro Salgado.
Foi o meu azar. Baixei a guarda e quando dou pela coisa estou a levar com um abatanado com uma espuma branquinha que metia dó, tipo carioca triplo. Não dei parte de fraco e agradeci, para além de pagar 35 rmb (3,5€, toma que já almoçaste). Cama, que o dia tinha sido muito longo.
Pela 2ª ou 3ª vez esqueci-me de colocar o telefone no silêncio. TTrrrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiiimmmmmmmmm. Puta que o pariu!!!! Às 3 da manhã, “TOU?” “Epá, tás a dormir ou quê? Às 8 horas da tarde?” Pois... Ainda a sofrer do Jet lag, pregar olho foi uma tarefa árdua.

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Continua…

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

3º Capítulo - Diário - Viagem China



3º Capítulo - Diário

15 de Março de 2005 - Terça Feira

Trrrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmm.
“Tou sim?”.
“Então, pá. Já estás deitado? Tão cedo?”
Pois… Esqueci-me de tirar o som ao telemóvel e em Shenzhen o fuso horário é ligeiramente diferente. Ligeiramente… 7 horas.
Pequeno almoço. O Master Club Hotel era um hotel para chineses, sem quaisquer pretensões de atingir uma clientela internacional. Tudo estava feito para o modo de vida chinês. Não tinham pequeno-almoço que me cheirasse, o que me levava para a rua à procura de bancas com pãezinhos cozidos no vapor, crepes ou fruta. Nem sequer a ementa era legível.
Depois de levantar cedo, fazer o “Check-Out” (Check-Out sim, porque estou muito inglesado) pedi à recepcionista para me chamar a gerente, pois queria que o bilhete de avião fosse marcado por alguém que eu percebesse e fosse percebido. Muito solícita, lá apareceu a gerente que tratou tudo ao telefone com alguém do outro lado da linha. Tudo bem, 1210 RMB (cash) do lado de lá, 1 hora à espera e bilhete do lado de cá. Táxi para o aeroporto de Shenzhen, onde iria apanhar o avião para Ningbo, 1000 km acima na provincia de Zhejiang. Após o motorista do táxi ter posto 30 vezes a minha vida e a dele em risco, lá chegamos ao aeroporto, onde era suposto embarcar às 11.30 e só embarquei às 15.00, por questões não esclarecidas. Aqui deu direito a máquina raio x, revista à mala de mão, abrir a garrafa de água e cheirar (porque poderia ser uma arma mortífera disfarçada de simples água), revista com detector de metais tipo pórtico e também manual, depois de me terem posto em cima de um tamborete preparado para o efeito (parecia um elefante em cima dos adereças do circo a ser examinado à lupa). Viagem porreira.
Chegado a Ningbo, a mesma ravienga aos taxistas, nunca aceitar os que se oferecem. Lá segui direitinho ao hotel previsto: “No Loom, Solly”. Olha o cabrão, nem olhou para mim. Dirigi-me ao da frente. A mesma treta “No Loom, Solly”. Fui à pasta “hotéis Ningbo” e népia.. Descobri mais tarde a razão de estar cheio. Tal como eu, grande parte dos clientes de hotel procura na net alojamento com uma boa relação qualidade/preço, tendo em conta o número de estrelas que o hotel tem, embora também viesse a perceber que o que é anunciado é uma coisa e o que apresentam não tem nada a ver. Se virem o Master Club Shenzhen ( http://www.sinohotelguide.com/shenzhen/master/ ) até parece ter bom aspecto e habitável. Parece. Não tinha previsto este percalço para Ningbo.
Fez-me lembrar Londres em Agosto de 1983. Um mês depois de lá estar, arranjei um quarto melhor e mais barato. Fiz a mudança dos trapos durante o dia e fui para o restaurante onde trabalhava. Fixe. Fixe se o encontrasse à uma da manhã, quando saí do trabalho. Fartei-me de procurar e não encontrava o Imperial College, em Evelyn Gardens. Encostei-me num banco até de manhã e ao raiar da aurora com luz do dia foi fácil.
De repente vi-me na rua, quase de noite, sem hotel. Dupla dificuldade. Táxis sempre ocupados e transeuntes que só falam chinês. Mas eis que passa uma alma caridosa que arranha qualquer coisa de inglês e me escreve o nome de um hotel num pedaço de papel que, segundo ele, era bom e barato. Lá passou um taxista que parou e eu, triunfante, mostrei-lhe o que estava escrito no papel. O taxista olhou, tornou a olhar e perguntou-me : “O bae la, o bae ca ?” e eu muito convictamente lhe respondi : “o bae la”. Erro. Quando dei por mim estava no meio de um subúrbio do mais manhoso que vi em toda a China e já tínhamos andado meia hora para “lá” e estava a anoitecer, até que o mandei dar a volta, “O bae ca Ningbo” (perceberam?), ao que ele perguntou :”Ninbo ca?” e eu “Oué”. Consegui, em pleno traço duplo contínuo, com camiões, bicicletas, automóveis, motorizadas a passar como fosse o ultimo dia da vida deles, eis que vai de virar e quem quiser que espere. Triplicou o número de buzinadelas que deveriam estar nos 2000 decibéis. Completamente de noite, meia hora e 120 RMB depois estava em frente a um hotel de 5 estrelas que não tive coragem de deixar e pagar 900 RMB (arrota que é pescada!!!). Não tem nada a ver com o Hotel d 5 estrelas mas tem que ser mencionado: o Escarro. Sim, isso mesmo, os chineses passam a vida a puxar a escarreta e a largá-la ao sol. Faz parte do esquema social, a velha escarreta, bem puxada, com direito a bolhinhas e tudo, tipo bola de sabão.
Este hotel tinha uma espécie de bar americano dando ares de saloon texano, onde o Bruce Springsteen e o Kenny Rodgers se cruzavam na barulhenta aparelhagem sonora. Era um sítio que cerveja Budweiser e mesas de snooker deveriam ser unha com carne. De facto, para ser completamente piroso só faltava o carrão descapotável americano, cor-de-rosa e com estofos forrados de pele de vaca, alojando duas louraças mamalhudas em biquíni reduzido.
Estes dias cansam muito. Para fechar a noite só mesmo um cafezinho, curto, com espuma castanha, perfumado. Fiz questão de me dirigir ao balcão e ver, a par e passo, o evoluir da tiragem do dito. Hotel de cinco estrelas tem tudo. Até máquina expresso para os clientes ocidentais, pensei. Havia já alguns dias que não cheirava nada que se parecesse com “bica”, pelo que não poderia descurar esta parte.
“Expresso coffee????” Small, (fazia eu os gestos com o polegar e o indicador da mão direita), half cup.
“Oué! Caffee”.
Hotel 5 estrelas, estão habituados, a malta que quer café, estes gajos sabem o que é que os clientes querem, têm formação, conhecem a oferta global, têm um bom serviço, são atenciosos, vão de encontro às necessidades do cliente, qualificam, têm cada vez mais gente cá, não se podem dar ao luxo de impingirem qualquer treta, não são nada burros, são empresários, compreendem os mecanismos da lei da oferta e da procura, uma máquina expresso não é assim tão cara, os italianos são uns furões do caraças e já estão a exportar para a china há montes de tempo, etc e tal …
Interrompi os meus pensamentos quando, à minha frente, a funcionária coloca uma chávena vazia e saca de uma cafeteira com uma espécie de água choca e enche o “balde”. Nem cheirava a nada.
O que valeu é que o quarto era mesmo bom.


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Continua...


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

2º Capítulo - Diário - Viagem China


2º Capítulo  -  Diário

14 de março de 2005 - Segunda Feira

Antes de seguir rumo ao oriente, estabeleci uma série de contactos com “traders” para poder visitar fábricas de móveis, candeeiros, etc, devidamente acompanhado por alguém conhecedor da geografia e mercado locais. De acordo com o que estava previsto, nessa segunda-feira iria a uma fábrica de candeeiros “Tiffany”. Contacto de véspera com o David Wang, combinando encontrar-me com ele na estação de comboios de Huizhou, uma cidade a cerca de duas horas de viagem de Shenzhen.
Saí do hotel num táxi recrutado na rua e aí tive mesmo a certeza que os taxistas chineses são uma raça completamente à parte, pois num percurso de 3 Km, deverá ter cometido mais de 100 infracções ao código da estrada e colocado a vida dele, minha e de mais uma dezena de pessoas em perigo.
Na véspera tinha comprado um mapa de Shenzen, num quiosque. Aparentemente é uma aquisição simples, básica. Escolhe-se o dito e siga. Pois… É fácil em Inglaterra ou na Alemanha comprar um mapa no idioma local e orientarmo-nos. Na China os mapas estão, obviamente, em Chinês. Só ao quarto ou quinto sítio onde procurei é que consegui descortinar um que não fosse em chinês. Lá uma alma caridosa remexeu o baú e, com ar triunfante, exigiu-me 12rmb pelo cobiçado mapa. Pagava nem que fosse 120 só para não me perder no meio de uma cidade com milhões de habitantes, sem saber encontrar o hotel no meio de tanto prédio. À cautela tinha pedido quatro cartões de visita do hotel e colocando-os em sítios diferentes da roupa. Mal seria se perdesse todos em simultâneo.
A salvo, saí na estação dos comboios às 6.30 horas da manhã que, à semelhança da guerra do Raul Solnado, ainda estava fechada.
Fui dar uma volta e matar o bicho, num dos múltiplos restaurantes existentes na área, mesmo ao lado de mais um KFC. Pequeno-almoço bom e barato, embora com insistência no “black coffee” que de pouco valeu, pois tive que levar na mesma com o café com leite da praxe.
“Caffee” que de igual ao nosso só tem a semelhança na sonorização, é na realidade um café com leite bebido aos litros pelos chineses, juntamente com o popular chá. Resta acrescentar que é mais um produto importado por esta sociedade altamente consumista, desta vez foi a Nescafé (caffee) que viu o golpe e pôs esta malta toda a misturar café solúvel e leite em pó com água quente, fornecida por máquinas tipo “Àqua Viva”, quente e fria. É sempre siga.
A sociedade chinesa está-se a transformar gradualmente numa sociedade altamente consumista, à semelhança do Japão, Coreia do Sul, etc, onde os centros comerciais publicitam modelos ocidentais, numa onda de “American Way of Life”.
Lá comprei o bilhete e esperei 3 horas, pelo comboio das 10.17 horas, que me pareceu ter partido antes do horário previsto. Pareceu-me porque até aí andei sem relógio, com o do telemóvel completamente apagado nem sei porquê. Chinesices.
Embarquei após ter passado mais um controlo policial no interior da estação, com direito a raios X na mala de viagem e tudo, depois de me ter sido pedido o passaporte.
O comboio tinha lugares marcados que só descobri uma hora depois, numa estação seguinte, quando uma rapariga me fez levantar ao mostrar-me o seu bilhete, coisa que eu nem pus em causa, já que para mim o que lá estava escrito era tudo, e aqui sim literalmente, chinês. Lá me levantei contra vontade. Até já tinha arranjado camaradagem com dois rapazes e uma rapariga que comigo completavam o grupo de quatro nos assentos virados uns para os outros, com uma mesa pequena de apoio ao meio. Um dos companheiros de viagem compreendeu e, de imediato, voluntariou-se para ocupar o lugar que me era destinado e eu continuei onde estava. Ainda existem almas caridosas neste mundo.
Duas horas depois e chegado a Huizhou, comprei um relógio … chinês. Custou-me 60 rmb (6 €) na loja da estação de comboios. A fome apertava e lembrei-me das sopas instantâneas que é só necessário juntar água a ferver. Durante a viagem tinha visto muita gente ir atestar o “balde” à torneira de água quente, dentro do comboio. Regra nº 1, deixar arrefecer. Regra nº 2, ver se é picante. Regra nº3 cheirar primeiro a ver se não cheira ao tal cheiro que está por todo o lado, o tal que enjoa como o caraças. Após esperar uma hora pelo anfitrião e pôr uma grande parte dos bagageiros por conta própria, trocadores de dinheiro por conta própria, taxistas de moto, indigentes que pousam nas estações de comboio e demais gente que estava no hall da estação , a rir , lá segui para a fábrica de candeeiros Tiffany.
Resta acrescentar que sou muito notado em todos os sítios por onde tenho andado, especialmente fora dos centros urbanos, onde sou elevado a atracção principal do circo, dando direito a paragens de boca aberta, risos e comentários em chinês que não me atrevo a decifrar.
Regresso de autocarro, após David Wang me ter deixado numa estação de autocarros nova e muito bem organizada. A China está como Portugal estava há quarenta anos.
No regresso é que me apercebi da verdadeira dimensão do desenvolvimento desregrado da China. Não consigo descrever a forma desordenada como esta sociedade funciona, onde passou do 8 ao 80 em poucos anos, sem infra-estruturas, com muita poluição de toda a ordem, com … tudo o que me parece que não devia ser. É caótico, desarrumado, sujo, poeirento, inacabado, populosíssimo.
Chegado a Shenzhen novamente, lá fui pôr a bagagem ao hotel e preparar-me para jantar.
Já tinha tirado o azimute a um restaurante na baixa que tem o peixe vivo em tanques, junto à porta da rua, onde o cliente escolhe, eles pesam e é cozinhado de seguida. Peixe branco cozido ao vapor, vieiras com molho de soja e um arrozito para compor. Um manjar digno de rei e depois de ter pago 99 rmb(9,9€), fui “desmoer”, andando a pé pela baixa e tentar arranjar um bar onde pudesse beber um café decente. Descobri quando falei com a gerente do “Master Club que não existe, praticamente, assaltos ou algo que possamos recear nas ruas de Shenzen. De facto andei muito a pé sem nunca recear qualquer tipo de situação menos boa.
Lá arranjei um sítio onde vi uma máquina de café de saco e pedi um “black coffee”, mas desta vez com convicção, não fosse o artista pôr lá qualquer leite misturado. O funcionário respondeu um “Oué” repleto de “saber fazer”, de confiança, pleno de convicção. Fiquei confiante também. Pela forma como me exprimi e pela forma como o funcionário manifestou o seu entendimento pelo meu pedido, tive a certeza absoluta de que iria beber um saboroso café made in Brasil, habilmente filtrado por um zeloso funcionário chinês, num bar longe de casa, às dez horas da noite, nos confins do Oriente. Pelos vistos deveria ter sido ainda com mais convicção, pois na hora da verdade lá vinha o galão à moda chinesa, ainda com borbulhas e tudo. Puta que o pariu.
Caminhada até casa, nas calmas.
Havia já alguns dias que falar era quase proibido. Pouquíssimo inglês e mais nada. Andava com falta de falar, de me exprimir, de massajar o ego. Começamos a ficar eremitas e pensativos. O bicho humano é mesmo uma raça comunicativa. Precisava de comunicar, de me exprimir. Quando cheguei ao hotel e apanhei o elevador encontrei uma ocidental, francesa. Vinte segundos foram necessários para percorrer o percurso do elevador até ao nono andar. Não me lembro de alguma vez ter 20 segundos tão comunicativos. Acho que nunca me soube tão bem encontrar alguém que me entendesse e que eu também compreendesse. Fiquei radiante por poder falar com alguém “próximo” (França) de Portugal.
Suite com vista para a rua, a cheirar não sei a quê, com um som de fundo tipo água a correr nos esgotos do vizinho de cima, uma cama com colchão rijo, um Jet lag descompensador do relógio biológico,

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Continua…

domingo, 19 de janeiro de 2020

1º Capítulo - Diário - Viagem à China







1º Capítulo - Diário

13 de Março 2005 - Domingo



Hong Kong. Cheguei ao Oriente depois de 10 horas de voo. Neste tipo de viagens, chegamos a uma altura que vamos à casa de banho apenas para quebrar a monotonia do assento. A excitação tipo criança provocada pela expectativa da viagem, fez com que não pregasse olho durante toda a viagem.
Trocar Euros por Hong-Kong Dólares e apanhar o comboio para o centro.
Trocar Euros por RMB chineses foi depois de ter contactado um Táxi onde me apercebi de uma especial habilidade que os chineses têm para a condução “tipo circo“, mas achei que talvez fosse pelo facto do motorista estar com pressa. Apanhar o comboio para Shenzhen foi relativamente simples, pois estava ainda no “Ocidente”.
O processo de entrada na China propriamente dita foi algo dantesco. Estamos a falar de um controlo policial ao mais alto nível, com direito a revista, raios X, análise aos globos oculares para detecção de possíveis doenças associadas à “Gripe das Aves “ que, à data, já fazia parte das notícias de telejornal. Também a divisão física Hong Kong / China foi algo marcante. Deixamos o Ocidente e entramos no Oriente. A fronteira era bem visível, literalmente. Arame farpado, barreiras de aço, linha de água, barreiras de betão, tudo policiado por um contingente altamente armado e ameaçador. Após o controlo de entrada, procurar Hotel.
Começou a aventura.
Primeiras dificuldades: Ninguém fala inglês e os que arranham alguma coisa é com uma pronúncia execrável, que muito dificilmente se percebe, mas pior ainda, não percebem o que lhes dizemos nem com gestos.
Depois de me ter desviado de dezenas de oferta de táxis manhosos, pareceu-me prudente procurar uma estação oficial dos ditos, bem enunciada nas placas da estação, em inglês. Durante esta “peregrinação” fui sendo constantemente abordado por miúdos carregadores de bagagens a pedir para me levar as malas. “Onde estou eu metido!!!”, pensava com os meus botões. Foi um impacto muito negativo. Não conhecemos ninguém, não nos conseguimos entender com ninguém, estamos fora da nossa área de conforto, estamos vulneráveis a um ambiente aparentemente hostil (felizmente vim a verificar que era perfeitamente seguro andar por todos os sítios sem qualquer problema de segurança). 
Taxistas e táxis da China. Não dá para descrever mas é do tipo… falar ao telemóvel, beber, fumar, conduzir, coçar a micose, mirar o sexo oposto no passeio, passar sinais vermelhos, tudo, sempre, ao dobro da velocidade do permitido e em simultâneo. E eu tipo peixe fora de água.
O Hotel que indiquei ao taxista estava convertido numa caserna mal amanhada da policia chinesa que trabalha à paisana, ao qual o “recepcionista” com um Walkie-Talkie na mão me disse “Solly”, após ter percebido que eu vinha ao engano (baseado num anuncio na internet com direito a tradução para inglês, fotos dos quartos, da fachada do edifício) e pelo facto de ser ocidental tinha direito a um pedido de desculpas: “Solly”. Lá segui viagem no mesmo táxi à procura de um novo hotel equivalente, que felizmente tinha tido o cuidado de trazer registado na pasta “Hotéis Shenzen“ como suplente, “just in case”, bastante útil como se veio a verificar.
Lá mostrei ao motorista a alternativa com tradução para chinês e este percebeu onde era. Shenzhen tem algumas centenas de prédios com altura superior a 30 andares, alguns dos quais com 40 ou mesmo 50 pisos, como de resto todas as cidades da China, com populações acima dos 5 Milhões de habitantes. Todas crescem em altura, já que em largura é difícil. A China é muito montanhosa e todos os espaços são aproveitados. Os socalcos da cultura do arroz são um belíssimo exemplo que, infelizmente, não tive oportunidade de visitar.
Aí, ainda eu não tinha percebido que é muito difícil para um Ocidental fazer-se entender por estas bandas. Só comecei mesmo a perceber na recepção do Master Club, assim se chama a minha guarida de 13 para 14, quando dos 3 recepcionistas, 1 bagageiro, 6 raparigas perfiladas que abrem a porta do hotel e em coro dizem qualquer coisa parecido com xim pam pum, mais um ror de gente que por ali andava, ninguém dava cavaco de nada que não fosse, literalmente, chinês (cantonês).
A muito custo lá me fui fazendo entender, até que uma das recepcionistas se lembrou de chamar a gerente, que ao telefone, esclareceu as coisas.
Porreiro, suite 602, com vista para a rua e direito a cozinha com sala mobilada e tudo, mas o problema é que havia ali qualquer coisa que não me cheirava bem, mesmo cheiro, esgoto, cada vez que ouvia água a correr nos esgotos lá vinha o cheiro. Depressa tive que me habituar, pois nas ruas, nas escadas dos prédios, em todo o lado, cheira a esgoto e a uma porra de um cheiro a comida que ainda não consegui identificar, mas que enjoa que se farta, enjoa.
Havia também certos pormenores como por exemplo a escada de serviço parecia nunca ter visto lixívia, bem como o chão da cozinha, da casa de banho, os acabamentos não existem em nada, desde que sirva… está bom. O esquentador no duche, a 50 cm do utilizador do chuveiro. Conseguir que este trabalhasse foi uma autêntica epopeia técnica, pois só após 10 minutos de atenta pesquisa lá descortinei como é que este se mantinha aceso por mais de 10 segundos, a proporcionar uma água ora a ferver , ora a roçar o frio.
Após um duche reconfortante fui dar uma volta pelas redondezas e ao sair do quarto tomei o elevador. Carreguei no que me pareceu ser a saída. Assim que as portas do elevador se abriram, achei estranho o visual do hall, quando dei por mim estava na recepção duma esquadra de polícia, desta vez fardada. Assim que o sentinela me viu, deslocou-se cordialmente para mim e, estendendo o braço acompanhou-me na direcção do outro elevador, este com paragem no sitio certo, B1, aqui percebi que o bagageiro me tinha tentado dizer qualquer coisa “One” quando me tinha levado a mala ao quarto.
Após todas as tropelias, comer qualquer coisa e … cortar o cabelo.
Cortar o cabelo é das coisas mais fascinantes e baratas que se pode ter na China (30 rmb, ou seja 3 euros, com direito a massagem do couro cabeludo, massagem nas costas, no pescoço, nas orelhas, nos braços, na coluna, nas mãos, tudo isto ao longo de mais de uma hora. O que é facto é que saí de lá novinho em folha, depois de ter posto todas as massagistas e barbeiros a rir que nem perdidos durante todo o tempo que lá estive.
Para completar o ramalhete só faltavam os pés. Não é tarde nem é cedo. Entre dezenas de oficinas de automóveis, dezenas de vendedores de bebidas alcoólicas, volumes de tabaco, oficinas de mármore e lojas de tudo e mais alguma coisa, lá desencantei uma casa tipo templo com pessoas viradas para uma imagem na parede e com os pés em cima de uma maquineta que vibrava que se fartava, ao mesmo tempo que seguram com as duas mãos dois terminais metálicos ligados por fios à tal “ maquineta infernal “. Foi só olhar duas vezes e já o dono do “estaminé” me convidava a sentar num banco de plástico azul, que me pareceu aguentar-se intacto com a ajuda dos deuses retratados na parede, apesar dos meus 130 kg (à data tinha este peso).
Pareciam agulhas a espetarem-se na sola dos pés. O que é facto é que bastaram 5 minutos para “flutuar”, sensação que me ficou quando pousei os ditos cujos descalços no tapete coçado da sala virada para a rua.
Resta dizer que o proprietário só falava chinês, bem como todos os outros ocupantes do espaço terapêutico e riram que se fartaram quando me viram naqueles amanhos. Ocidental, anafadinho, pouco à-vontade e novo no local a experimental algo. Eis os ingredientes necessários para pôr chineses a rir. Depois da missão cumprida, levantei-me e fui com a mão ao bolso para pagar o que fosse, ao qual o gerente da casa me agradeceu “Tak yu, tak yu”, pelo que percebi que não queria que lhe pagasse, indicando-me no tapete a palavra “Welcome”.
Lá fui à vida, comendo uma peça de fruta aqui outra ali e com pouca fome lá entrei num “fast-food” desconhecido e comi uma treta qualquer que sabia bem e não foi caro, diria mesmo barato. Curiosa forma como a mímica não é exactamente igual em Portugal e na China. Junto de uma banca de rua que vendia fruta, pedi uma maçã com um gesto que em Portugal seria compreendido. Com o dedo indicador apontei para a maçã e, de seguida, levantei o mesmo, ficando na vertical, no meu entender dava a indicação de se tratar de uma unidade. A senhora entendeu este gesto como eu estando a apontar para o céu e seguiu a indicação, olhando para cima e de seguida olhou-me novamente com ar interrogador e desconsertado.
Curiosa é a forma como se implantou o KFC- Kentucky Fried Chicken, às dezenas em cada cidade, sendo um sucesso de vendas na China, com casas sempre cheias. Foi-me dito posteriormente que é necessário um investimento de 1 Milhão de Dólares em cada novo restaurante franchisado. Sendo a China um grande consumidor de carne de aves, o KFC está como frango na capoeira. É só facturar.
Já na rua, procurei algum sítio onde pudesse beber um cafezinho para compor o ramalhete. Não foi fácil mas entrei em algo parecido com um bar ocidental e perguntei “coffee”? Resposta: Yes. Espectáculo. Até têm café e tudo!!! Maravilha. Deitei foguetes antes da festa. Levei com um abatanado clarinho, tipo café americano em copo de cartão. Foi melhor do que nada. Havia já mais de 24 horas que o café não fazia parte da minha dieta.
Regressei ao Master Club, o hotel .
O cheiro, a “bezuntice”, o esquentador e muitas mais coisas não me tiraram o sono, nem mesmo o buzinar continuo dos chineses, sempre, sempre, sempre, que desta vez até serviu de canção de embalar. Tiro e queda.

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Continua…

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Consegues recuar 40 anos no tempo?



Estas últimas duas semanas foram plenas de emoção. O facto de reviver situações ao rever pessoas associadas à adolescência tem sido de uma intensidade brutal. Aos 55 anos, no meu caso, começamos a rebobinar a cassete da vida e a valorizar situações vividas com intensidade na adolescência. Liberdade, namoricos, descobertas, amizades, conhecimento, professores, sonhos, entre outros, vêm-nos mais à memória quando tomamos consciência de que, realmente, somos finitos e estamos a prazo neste mundo. Agarramo-nos com unhas e dentes a memórias passadas onde a felicidade era uma constante. Afinal, é tão simples quanto isso, só procuramos ser felizes, continuamente, ontem, hoje e amanhã. Ontem revi, no grupo Liceu de Sintra Comemorações dos 50 anos, uma pessoa que não via há 40 anos. Apesar de não a ver há 40 anos, tenho uma tal clareza e lembrança dessa pessoa que parece que foi ontem que estive em sua casa a ouvir Woman(Just Like) Starting Over, do John Lennon . Quase que me lembro do cheiro do ambiente trazido pela inebriante memória olfativa. Esta memória, arrumada na prateleira nº 567396754 do armazém de memórias, recordações e demais aprendizagens do Carlos Camacho, era quase real e palpável, tal foi a sua intensidade.

Conclusão: Vivemos de e para emoções.


O que te parece?


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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Flashback da Rádio - Beatlemania



Este excerto faz parte de um texto escrito em 2009, altura em que comecei a registar por escrito algumas  coisas sobre a minha adolescência e juventude.


"Mais ou menos nessa altura (1981) iniciei as minhas lides de radialista na escola Secundária Santa Maria (Liceu de Sintra). O GAC (Grupo de Acção Cultural) promoveu uma iniciativa a que eu aderi e que tinha por objectivo proporcionar aos alunos uma experiência com a rádio, dando a possibilidade de desenvolver um programa a passar dentro da escola. Brilhante. Comecei a desenvolver o meu programa. Chamei-lhe “Beatlemania” e tal como o genérico indicava, era totalmente composto por “Música do mais famoso grupo rock de todos os tempos: The Beatles”. Foi-me atribuído um horário de meia hora por semana, às quartas-feiras, das 13h15 às 13h45. Gravava as cassetes em casa num velho gira-discos e entregava-as, pontualmente, todas as terças-feiras. Utilizava um tom de voz bem ao jeito do melhor “Rock em Stock” do Luís Filipe Barros, com voz colocada e timbre agudo, para contrastar a falta de qualidade das cassetes fanhosas, gastas pelas sucessivas gravações, juntamente com frases feitas entre músicas já que não havia mesa de mistura. Construí um guião para que não me faltassem as palavras a meio da gravação (era fácil engasgar) e também para conseguir manter um discurso coerente ao longo do programa. Falava da origem do grupo, dos temas das canções, dos autores da música e da letra e das datas relacionadas com a produção dos LP’s. Por questões de logística nunca tive nenhum “Talk-Show”, já que o aparelho de gravação não vinha a Sintra nem o convidado ia a Fontanelas, como foi o caso em que quis ter a preciosa colaboração de uma professora de Inglês. Não havia dinheiro para cassetes novas logo, depois de preencher a velha TDK dos dois lados, regravava por cima do programa anterior e era sempre siga, até acabarem os LP’s dos Beatles e esgotar a matéria-prima. Ainda usei mais do que uma TDK (que eram as melhores à época) por força do desgaste na fita magnética, imposto pelas sucessivas gravações. O processo era simples sob o ponto de vista técnico, já que os aparelhos de alta-fidelidade do final dos anos setenta faziam gravação directa do gira-discos para o leitor/gravador de cassetes, bastando conjugar o início do disco com o início da cassete e deixar gravar ininterruptamente, caso não houvesse mesa de mistura, como era o caso. O meu programa de rádio era dos mais ouvidos mas, provavelmente, dos menos escutados. As colunas de som que emitiam estavam colocadas na cantina da Escola e a audiência era maioritariamente constituída por alunos e professores que iam almoçar e enchiam a cantina à hora de almoço. A juntar ao som dos talheres, pratos, tabuleiros e demais “hardware” de almoço, lá conseguia descortinar um som parecido com o “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, música do genérico que iniciava o programa, misturada com latidos dos cães de caça que caracterizam aquela faixa. Eu era, incondicionalmente, o melhor ouvinte do Beatlemania e no meu canto lá absorvia com espírito crítico as músicas e frases feitas ouvidas e reouvidas em busca da perfeição, fazendo figas para que fizessem um pouco menos de barulho e partilhassem comigo aqueles 30 minutos. De pouco valia porque, àquela hora, alimentavam-se outras necessidades que não a cultura musical dos presentes.
Recordo com alguma saudade, à distância de quase 30 anos, estes tempos e várias vezes me tenho questionado se ainda restará alguma cassete que tenha sobrevivido às razias feitas aos trastes lá de casa."

Mais um Flashback.