A “Cabana da Aguda”
Nasceu em 1970 pela mão do Ti João Ladeiras (João Baleia Freitas) o
que se viria a chamar a “Cabana da Aguda”.
Fruto da sua carolice e da sua arte na construção, assim se deu início
a um ícone da nossa aldeia até meados da década de 90. Numa fase inicial com
petiscos, depressa começou a ter freguesia basta nos meses de Verão para
almoços e jantares, atraídos pelo cheiro dos Sargos da Costa na grelha,
Sardinhas e Frango de churrasco. Para petiscar, os Pipis bem caprichados à moda
do talento petisqueiro do Ti João e todo o tipo de mariscos apanhados na
Tabueira e na Aguda, com especial ênfase para os mexilhões de cebolada. Ainda
hoje quando me chega este inebriante aroma, activa-se de imediato a memória
olfactiva de 40 anos, transportando-me para os cheirosos odores da Cabana da
Aguda.
Pouco a pouco o Ti João Ladeiras foi construindo a seu gosto, pedra a pedra,
“borneira a borneira”, tronco a tronco, aquela varanda natural sobre a falésia,
local espectacular para beberricar e petiscar num qualquer final de tarde entre
Junho e Setembro, para quem apreciasse um pôr-do-sol calmo e tranquilo.
A minha primeira incursão na restauração foi pela mão do Ti João, da
Ti Dália e do Aníbal (Aníbal Martins Freitas), filho do casal e meu compadre há
mais de 20 anos e amigo desde sempre. Aos 11 anos era uma autêntica festa
partilhar aquele espaço de lazer, para mim completa novidade absorvida com avidez,
num espaço de gente descontraída, em paz, enquanto se lhes proporcionava uma
espectacular refeição com os pés na areia, o som das ondas do mar, o cheiro a
comida e maresia, uma vista magnífica e o paladar no seu auge, tocando ao
máximo os cinco sentidos naquela esplanada com uma cobertura de canas cuidadosamente
alinhadas sobre os troncos do tecto. À falta de energia eléctrica da rede,
restavam os candeeiros a petróleo, os “Pitromax” e mais tarde em 1987 as lâmpadas
de 12 volts alimentadas pela bateria da camioneta Hanomag azul do Ti João,
quando o Aníbal e a Florinda reactivaram a Cabana.
Sucessivos “donos” da Cabana da Aguda, como o Jorge e o Tó, que lá
estiveram alguns anos, o Jaime, deram diferentes usos a este espaço concebido
para bem servir e proporcionar momentos únicos de paz e tranquilidade, quer
fosse como restaurante, petiscaria, bar ou casa de fados.
Em meados dos anos 70 ainda se tinha que cumprir o doloroso caminho de
areia para chegar ao acesso à Praia e à Cabana. Quando pegava na bicicleta e ia
ao encontro do Aníbal, de pouco me valia pedalar na areia cega que teimava em
dificultar a descida e mais ainda a subida. Na segunda metade da década foi
arranjado o acesso tal como o conhecemos hoje e construído o Largo da Aguda.
A Cabana está construída em terrenos privados pelo que a sua
exploração se tornou inviável a partir do momento em que o seu proprietário o
proibiu. Também o exigente licenciamento para este tipo de comércio requeria um
investimento avultado nas infra estruturas, muito castigadas pelo abandono e
sucessivos invernos, pelo que face à inviabilidade de qualquer projecto, hoje
está num avançado estado de degradação, sendo utilizado bastas vezes para fins
menos próprios.
Não sei o que levou o Ti João a construir este “Santuário dos
Sentidos” mas que acertou em cheio, acertou. Nesse longínquo ano da década de
70, ao som do velho rádio Philips AM que o Ti João tinha em cima do balcão,
podia-se ouvir alto e bom som nas ondas do Rádio Clube Português “Quieres ser mi amante” do
Camilo Sesto ou “Petite
Demoiselle”, do Art Sullivan. Também o Demis Roussos e o Nelson Ned tinham
poiso regular naquele rádio estrategicamente colocado em cima da prancha de madeira,
de dia balcão e à noite portada de segurança para evitar os “amigos do alheio”,
“convidados” frequentemente pelo isolamento do local e fraca vigilância,
antevendo uma “colheita fácil” de grades de cerveja, Larangina C e bagaço
caseiro.
Uma das tentativas de assalto de que a Cabana foi alvo foi
particularmente hilariante. O espaço era dividido em duas zonas distintas: O
interior da construção, onde era guardado tudo o que podia ter interesse aos
ladrões e a parte de fora, da esplanada, de livre acesso de noite e de dia. A
parte central da construção propriamente dita tinha uma cobertura de placa com
vigas de betão e tijoleira, apresentando alguma segurança contra assaltos. A
outra, a parte da esplanada era coberta com as tais canas alinhadas, excepto na
zona da grelha que, por razões de construção, tinha uma cobertura de telha vã,
suportadas em ripas e barrotes de madeira de pinho.
Os ladrões subiram ao telhado, retiraram algumas telhas, cortaram as
ripas de madeira e vai de saltar para dentro da Cabana, pensaram eles. Quando
deram realmente conta “aterraram” na zona da grelha, ficando na mesma do lado
de fora da Cabana da Aguda, na zona da esplanada, acessível a quem quisesse
entrar pelo seu pé, tranquilamente pela porta da frente sem qualquer percalço.
Obrigado Ti João pelos excelentes momentos que proporcionou a todos
quantos usufruíram deste espaço único, deste Santuário dos Sentidos, a “Cabana
da Aguda”.
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