domingo, 1 de novembro de 2020

O Poço do Largo de Fontanelas




O Poço do Largo de Fontanelas

Desde miúdo que convivo com o Poço do Largo de Fontanelas, aquela construção cilíndrica no centro da aldeia. A construção deste equipamento público remonta à época em que a água não vinha da torneira e existia dificuldade no seu armazenamento. Ter um poço com água era um luxo a que poucas famílias se podiam dar, pelo que os poços comunitários representavam uma solução para as necessidades da população e seus animais.

Estes poços tinham junto a si uma talha de pedra para que os animais de quatro patas pudessem beber a água captada nas suas profundezas. No Poço Novo, na rua com o seu nome, ainda é possível ver uma dessas pesadas talhas de pedra.

Outra das particularidades desses poços era a pedra frontal que servia de proteção a quem deles se servia. Essa pedra tinha rasgos arredondados na parte superior. Os baldes de água cheios eram puxados à mão com a ajuda da pedra polida que servia de meia roldana. Com os sucessivos anos, essa pedra ia-se desgastando pela fricção da corda na sua superfície, criando sucessivos rasgos polidos característicos destes poços.

Há alguns anos atrás, por questões de falta de uso e necessidade, ainda se falou em demolir o velho poço do largo. Alguém com consciência impediu que tal acontecesse. Se por decreto não foi demolido, quase que o foi quando um condutor mais distraído lá desfez o carro, chocando  com pia lateral.  A mesma sorte não teve o seu homólogo do Largo da Nogueira já que foi demolido e aterrado. Tornando-se obsoleto face ao desuso instalado, alguém achou por bem dar-lhe umas marretadas e enche-lo de entulho. Mata-se o bicho, acaba-se com a peçonha.

O Poço do Largo era um centro de brincadeira para os miúdos juntamente com o Coreto e a Cruz, seus vizinhos de longa data. Esta brincadeira passava, para alguns dos mais afoitos e ágeis, por idas regulares às suas profundezas, descendo e subindo pelo tubo metálico lá instalado. No meu caso apenas me ficava pelas vistas cá de cima, já que a minha condição de anafadinho não me permitia veleidades deste tipo. Recordo-me de um belo dia um dos miúdos, num rasgo de afoiteza iluminada, lá desceu pelo tubo. Depois de algumas tentativas mal sucedidas para subir e de uns choricos à mistura, alguém foi buscar uma corda para puxar o destemido. Antes da colocação da grade era esconderijo obrigatório para a miudagem brincar às escondidas, servindo a pia interior de perigoso esconderijo improvisado.

Tenho a certeza que a água deste poço tinha propriedades milagrosas, embora falte a confirmação científica. A sua água serviu, até aparecer liquido mais certificado, para encher a pia da igreja onde os devotos molhavam os dedos antes de os levarem à testa em ato de benzedura. Ainda hoje estou para perceber como é que simples água de um poço de Fontanelas, que mal vem no mapa de Portugal, tinha tais propriedades milagrosas.

Também este poço tem uma história de outro tipo de brincadeira para contar. Sem lhe pedirem autorização, meia dúzia de rapazes e raparigas colocaram uma coluna de som no seu interior, ligando um cabo comprido ao leitor de cassetes estrategicamente colocado na janela do Camacho´s. Corria o ano de 1988 e estávamos no Carnaval. Ninguém estranhou que andassem a abrir uma pequena fenda no solo, suficiente para passar um cabo de som, desde a janela do Camacho´s até ao poço, ainda o largo estava em terra batida. Uma saca de rede das batatas serviu, juntamente com um cordel da roupa emprestado por um vizinho, para pendurar a coluna de som dentro do poço a 5 metros de fundo, suficiente para não ser detetada à primeira vista e causar o efeito desejado, com eco e tudo. Estava montado o cenário. Foi gravada a cassete com a mensagem. Junto à hora da missa e com o afluxo de pessoas à capela: “Play”.

“Tirem-me daqui, caí cá dentro do poço. Acudam, acudam.”

“Tirem-me daqui, caí cá dentro do poço. Acudam, acudam.”

É feio acusar alguém mas acho que a voz era do Janeca.

Não me recordo se atrasou a cerimónia religiosa ou não. Se chegou a vir a GNR ou não. Se o padre ainda interveio ou não. Que gerou um burburinho e um desassossego medonho, gerou. Mas também causou uma gargalhada geral nas pessoas que se juntaram para presenciar mais uma partida de carnaval no largo de Fontanelas.

Viva o Poço do Largo de Fontanelas!!!


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