“Um beberrão de má-fé.”

Existiam denominadores comuns a todos os bailes:
Contestação à música alta, mães vigilantes, filhas a tentarem contornar a vigilância, bifana 5 paus e sandes de molho 10 tostões, pais a jogar sueca e a beber copos no bufete e a velha tradição da bofetada no final do baile, por esta ordem e aumentando de intensidade com o avançar da noite.
Contestação à música alta, mães vigilantes, filhas a tentarem contornar a vigilância, bifana 5 paus e sandes de molho 10 tostões, pais a jogar sueca e a beber copos no bufete e a velha tradição da bofetada no final do baile, por esta ordem e aumentando de intensidade com o avançar da noite.
Quanto à música alta muito se ralhava mas pouco se fazia. Era moda e a
vantagem era dos órgãos Farfisa, das baterias Yamaha e das guitarras Fender.
No que toca a vigilância das mães, esta assumia contornos ridículos,
que ia desde a ocupação ininterrupta da primeira fila do camarote,
estrategicamente sobranceiro à sala, proporcionando um posto de observação
privilegiado, à permanência em pé na sala ou até, por mais do que uma vez, à vigilância em pé nas cadeiras de madeira gingonas que bordejavam o salão da
Sociedade em dupla fila. Havia de tudo. Esta vigilância assumia especial
cuidado quando tocavam aquelas músicas mais calmas, os Slows. Aí sim, o radar
era accionado a 500% e a vigilância feita à lupa. Não há registo de que alguma
mãe tenha conseguido conter as hormonas malucas das filhas que
teimavam em pular que nem doidas. As filhas fugiam como podiam. Davam um pulo à casa de banho com
passagem pela rua. Combinavam encontros, dançavam mais apertadas ou,
simplesmente, saltavam a janela do quarto depois do baile.
Bifana 5 paus, sandes de molho 10 tostões, nada a acrescentar
Minis, médias, copos de tinto e branco, cheio ou meio, interessava era
molhar o bico. Aquela música maluca baralhava a cabeça e fazia sede.
Restava o entretem final. Normalmente antes do baile
acabar havia sempre bofetada. Era o sal e a pimenta da coisa. Tinha sempre que
haver zaragata, normalmente provocada por um copito a mais, uma raiva antiga ou
uma disputa de saias.
Quando o motivo eram saias, a coisa resolvia-se à bulha na rua com
intervenção feminina ou ficava prometida nova investida na próxima vez. Raivas
antigas era só letra. Não passava de trinta e um de boca, ameaças e segurem-me
senão eu mato-o.
Copitos, dependia da rezinguisse dos intervenientes. Quando estavam os
dois carregados, a coisa prolongava-se. Quando só um estava tocado, daqueles
que qualquer copito fazia despoletar o azedume da vida e vir ao de cima o
amargoso fel que lhes temperava a alma, era mais ou menos simples. Era a história
do beberrão de má fé (não sei se é do Bocage):
“Um beberrão de má-fé,
numa tasca amotinando,
dá tamanho pontapé
Num sábio que ia passando
que dá com ele no chão.
Esperava-se função.
Mas este levantou-se,
dizendo para a taberna:
Por uma besta dar um Couce
Há-de se lhe arrancar uma perna?
E acabava a
zaragata e o baile.
Boa noite.
Boa noite.
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