Tomar consciência da nossa finitude
Soube da morte do João Carlos e fiquei a pensar no que é a
vida e a morte. O início da vida, o seu curso e o final, na maior parte das
vezes inesperado e doloroso.
Bateu-me forte o facto de já ter presenciado o
desaparecimento duma série de pessoas da minha geração. O Xiné, o João Pedro, o
Falcão, o Sapina, o Tó-Pê, a Alice, o João Carlos e mais alguns que não tenho
presente na memória. O pensamento leva-nos para a triste conclusão de que somos
finitos, que haverá um dia que deixaremos de existir, que mais ninguém irá
falar connosco, partilhar uma refeição, connosco viajar, rir, chorar, passear.
O que fazer com as nossas roupas, os nossos pertences pessoais, os nossos
sonhos, os nossos projetos? O que farão com os meus sapatos favoritos? Quem irá
conduzir a nossa viatura e utilizar o nosso computador? Será para sempre ou
temporária, essa nossa ausência? Queremos que seja temporária porque não
concebemos, nem conseguimos compreender, ser para todo o sempre.
Tudo irá cair num vazio difícil de imaginarmos enquanto cá
estamos.
Na nossa cabeça e enquanto cá estamos fisicamente,
aproveitando para dizer que não acredito em qualquer outra forma de existência,
achamos que nunca iremos desaparecer, que nunca deixaremos de sentir o ar, o
calor, o frio, as pessoas que nos rodeiam. Não conseguimos imaginar que um dia
a coisa se finda, que iremos morrer e seremos eliminados das ruas da nossa
aldeia, que seremos enterrados ou cremados. Negamos essa possibilidade face à
sua difícil compreensão. Não conseguimos conceber, compreender, imaginar, uma
ausência de futuro. Não conseguimos imaginar o que será a nossa não existência
para todo o sempre.
Foi-nos sendo dito, ao longo da nossa vida por pessoas que
acreditam ter uma vida para além da morte, que iremos para um outro local onde
se dará continuidade à nossa existência terrena, numa crença elaborada para não
darmos em loucos, para haver uma lógica existencial e assegurarmos que esta
sequência lógica faz sentido, que depois desta “fase terrena” haverá outra
melhor, num cenário idílico propício à continuação da nossa vida. Também é
certo que esse cenário é criado para se poderem vender pedaços de céu, para que
pessoas tenham poder sobre outras pessoas e para que se possa, numa lógica
fatal de egos humanos, exercer poder sobre outrem e assegurar a sua submissão
através do medo e da culpa. Essa é a lógica das religiões, sejam elas quais
forem. Homens a exercer poder sobre os demais, fazendo-nos crer que o Homem foi
criado por um Deus omnipresente, omnipotente e omnisciente, e não que esse
Deus, castigador e perdoador, foi criado por Homens à sua imagem, num fato por
medida em função do tempo, da geografia e das culturas locais.
A idade torna-nos permeáveis a estas questões, já que, ao
ver partir pessoas na nossa geração, sentimos que mais tarde ou mais cedo,
invariavelmente, chegará a nossa hora para todo o sempre, sem que possamos nada
fazer nem decidir. Isso é, realmente, de difícil entendimento: Desaparecer para
todo o sempre. Apenas e somente, puf. Desaparecemos da mesma forma que
chegámos. Apenas e só algumas emoções e obras deixadas, sem nada connosco
conseguirmos levar, porque de nada iremos usufruir após o suspiro final.
Boa Vida a todos e usufruamos enquanto pudermos, deixando as
melhores emoções possíveis e as melhores obras possíveis, para que os seguintes
tenham as melhores emoções possíveis, enquanto cá estão.
Boas Festas.