Escrevi estas linhas quando o Ti Riques morreu, há cerca de cinco anos. Logo depois morreu também a Ti Isabel. Não as publiquei porque achei lamechas e me senti culpado por não o ter visitado antes de morrer.Hoje mudei de ideias.
“Queres ganhar 5 tostões?”
Fomos hoje enterrar o “Ti Riques”, Henrique Rodrigues da Siva, filho do
Carrenquita, um dos meus vizinhos de 50 anos, porta com porta. Uma relação Humana,
salutar, solidária e muito próxima. A Ti Isabel ainda não se apercebeu que o
seu companheiro de 60 anos morreu. (Estou a engolir em seco e a controlar as
emoções ao escrever estas linhas).
Restam as lembranças de uma pessoa que viveu e conviveu connosco
durante toda a nossa vida.
Falhei para com O Ti Riques nestas últimas semanas da sua vida. Tinha
prometido a mim mesmo ir visitá-lo, e à Ti Isabel, num qualquer Domingo de
manhã que estava para vir, adiando sucessivamente a visita, optando pelo
alheamento egoísta, deixando que fosse o próximo, e o próximo, e o próximo... .
Depois de sucessivos AVC’s, não resistiu.
Carteiro durante mais de 40 anos em Sintra, tinha uma segunda
profissão enquanto a vista e as pernas o permitiram: Barbeiro.
No início dos anos 70 era cliente habitual ao domingo de manhã na
barbearia do Ti Riques, não para cortar sempre o cabelo mas para ouvir as
conversas dos homens da idade do meu avô que lá iam, religiosamente, cumprir o
ritual semanal de fazer a barba. O meu Avô Tanoeiro, o Domingos Carrombão, o
Lourenço Maçanico, o Sebastião, o Domingos Maçanico, o Riques Borracho ou o Zé
Tanoeiro (Ganinça), irmão do meu avô, eram parte da equipa matinal de domingo
que compunha a freguesia da barbearia do Ti Riques. Eu também queria participar
nas conversas dos mais velhos, alvitrando sobre assuntos das fazendas, do tempo
ou da seara. Às tantas o Ti Riques perguntava-me:
“Queres ganhar 5 tostões?”
“Quero, Ti Riques” respondia eu entusiasmado.
“Então deixa-te estar caladinho” respondia-me. E eu aguentava-me mais
uns minutos, esquecia-me e voltava à carga com nova remessa de questões
iluminadas.
Ali cortei o cabelo até começar a olhar para a sombra, altura em que
os atributos capilares começaram a ter um peso significativo na minha auto estima.
O Ti Riques compreendia a criançada e só se ria.
Durante décadas entrei na sua casa como se minha fosse. Ir à “Casa das
Barbas” (a barbearia), à sua sala ou cozinha, era praticamente o mesmo que entrar
na minha própria casa, embora pedindo sempre licença para entrar.
Cresci com o Toino (para os mais novos o Tofi), um dos filhos do
casal. Juntos fizemos a quarta classe na Escola Primária de Fontanelas. No
largo em frente à casa corríamos atrás da bola como miúdos que éramos. O Ti
Riques também corria e jogava connosco, apesar de ter um problema de nascença
numa das pernas. Coxeava mas corria tanto como nós. Ou mais. A sua boa
disposição e a sua graça natural atraíam os miúdos e fazia com que a “Casa das
Barbas” fosse o quartel general da criançada. Lá se delineavam estratégias para
assaltar um qualquer terreno com nespereiras, laranjeiras ou pessegueiros, na
ausência do Ti Riques, claro.
Já na fase adulta e durante décadas acordei de manhã com o barulho do escape da Zundapp que, religiosamente à mesma hora, passava à minha janela do quarto. Essa mesma Zundapp (dos anos 80) foi resgatada por mim e pelo Joel Querido a um ladrão que a roubou da Casa das Barbas. Desencantámos a motorizada numa barraca lá para os lados de Coutinho Afonso, depois de uma investigação caseira e uma perseguição a alta velocidade ao desgraçado que a roubou. O Ti Riques não sabia como nos agradecer termos encontrado a sua "princesa" de 30 anos. Até chorou.
Como nos devemos lembrar das pessoas que nos dizem algo, fica este
registo escrito de uma pessoa que me disse muito: Henrique Rodrigues da Silva,
para mim, o Ti Riques.
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir