quarta-feira, 4 de dezembro de 2019



Uma Aventura em Londres

1º Capítulo

Verão de 1983


Chegara o dia 17 de Julho de 1983. Estava a ganhar asas e a querer aventura. Após uma primeira incursão pela língua inglesa no Instituto Britânico ao Príncipe Real, achei que o futuro deveria ser mais radical e rumar à origem da língua: Inglaterra. Por conhecimentos familiares, consegui ir com trabalho apalavrado. Tirei o Passaporte e comprei um bilhete de avião. Pela primeira vez vou andar de avião. A estreia está prevista na British Airways, voo 435 para Gatwick, a meia hora de comboio da estação de Victoria, bem no centro de Londres. Convenci os meus pais que o futuro estava em aprender inglês num verão escaldante da capital britânica, refrescado com latas de Stella Artois e Guiness a 47 pence cada. Financiaram-me a viagem, parte da estadia, umas dúzias de “Pints” e uma ida e volta para o aeroporto da Portela. À data foi muito, já que não era nada habitual este tipo de habilidades para miúdos de 18 anos nascidos e criados na aldeia de Fontanelas. O estrangeiro era algo muito distante e inacessível, a menos que o objectivo fosse a emigração por longos períodos de tempo. Viajar hoje para Londres é mais ou menos banal e pode-se ir almoçar ao Harrods num qualquer Sábado do ano, regressando à noite sem qualquer sobressalto. À data, ir a Londres era quase como ir hoje à Papua Nova Guiné, sem telecomunicações e apenas com direito a raros telefonemas e carta escrita que demorava quinze dias a chegar ao destino. WhatsApp, fax, email, telemóvel, internet, Skype, etc, era tecnologia por inventar naquele longínquo mas inesquecível Verão de 1983. À data ainda Portugal estava longe de conseguir que pessoas e bens pudessem transitar sem problemas pelas fronteiras de Schengen pelo que, à entrada do Reino Unido, fui analisado à lupa pelos agentes do SEF local. Mal me desenrascava com o inglês e em frente ao inspector da alfândega muito menos. A pretexto de ir passar dois meses de férias em casa de familiares e matricular-me numa escola de inglês, num discurso já ensaiado, inquiriram-me se tinha dinheiro para pagar a escola e fazer face às despesas nesse tempo todo. Saquei de 500 libras do bolso e mostrei-lhes, triunfante, já que não estava ali para brincar. Só não lhe disse que 100 eram minhas e 400 emprestadas pelo Sr. Dino, dono do restaurante para onde ia trabalhar e com quem fiz a viagem. Entrei em Inglaterra. Estava, finalmente, clandestino.Toca de procurar quarto, depois de ficar uma noite em casa dos patrões. Desaguei, após afincada procura ajudado pelo catalão da cozinha, num terceiro andar sem elevador de um prédio vitoriano de Gloucester Road, junto a uma igreja de que nunca soube o nome. Depressa me instalei com a malita de viagem, depois de abrir mão de 50 libras de caução e 30 de renda para a semana que entrava. Dos 100 já só restavam uns trocos, já que bilhete de comboio, qualquer coisa que comi na rua e uma toalha de banho que me tinha esquecido de levar, levaram praticamente o resto. Como não tinha mais dinheiro, creme da barba e pincel não levei, restou-me espalhar a pasta de dentes à mão para não fazer a barba a seco. Ainda sinto o fresco cortante na face mentolada da pasta de dentes Colgate à saída de casa nas manhãs londrinas a caminho da Beauchamp Place, Knightsbridge.Já tinha entrado no “Red Line” financeiro, mas como foi preciso comprar o passe semanal fiquei logo em dívida com o Sr. Dino que me abonou algumas libras para fazer face a despesas diárias e comprar uns macitos de Marlboro de 17 cigarros, à data populares em Londres nas máquinas self-service e nas lojas 24/24 de indianos. Uma libra valia, à data, 180 escudos (90 cêntimos €), mais ou menos. Um macito de Português Suave com filtro custava, à data, cerca de 40 paus (20 cêntimos €). Nunca tinha convivido com uma moeda tão “alta”, o que me veio a ser fatal na gestão do parco soldo semanal. Andava sempre “teso”. Só a partir da terceira semana consegui ter dinheiro para enviar postais e cartas para familiares e amigos.

Continua...

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