sexta-feira, 13 de dezembro de 2019




Um Conto de Natal

No passado sábado, 17 de Dezembro (2016), o meu pai foi encaminhado para a urgência do Hospital Amadora-Sintra numa situação preocupante, apresentando sinais que se assemelhavam a um AVC. Já na sala de espera e enquanto esperávamos que o chamassem para a triagem, reparei num senhor a roçar os 70 anos, aspeto risonho, bem-disposto, jovial e conversador, apesar dos cateteres nas costas das mãos. Aguardava pacientemente na sala de espera a sua vez para ser chamado. Reconheci-o de imediato. O Sr. António…

Em 2011, após uma queda de bicicleta e apresentando sinais de uma clavícula fraturada, levei o meu filho ao Serviço de Urgência Básico de Mem-Martins, nas antigas instalações da Messa. Chegámos a este serviço de urgência numa altura particularmente chuvosa. Chovia a potes sem se antever melhorias pelo que decidimos aventurarmo-nos pelos intervalos da chuva. Não resultou. Eis que no meio desta epopeia molhada vejo um senhor dirigir-se a nós com um chapéu-de-chuva, numa desesperada tentativa de nos manter o mais secos possível. A chuva que deveria ser a dividir por dois foi a dividir por três. Naquele momento nem sequer tive tempo de avaliar aquele simples, mas gigantesco, gesto de boa vontade por parte daquele senhor que, abandonando o conforto da portaria foi, num tremendo gesto de generosidade e boa-vontade, ajudar pessoas que nunca na sua vida tinha visto, indo muito para além dos seus deveres de porteiro deste serviço de urgência em Mem Martins. Aquela ânsia de ajudar vinha do instinto, não medindo o prejuízo a si próprio causado contando apenas e só o bem que a terceiros poderia causar. Assim foi. Escoltou-nos ao edifício e voltou para o seu gabinete na portaria, espremendo as calças encharcados pela água que nos era dirigida. Nesse mesmo dia refleti sobre o sucedido naquele serviço de urgência. Fiquei particularmente sensibilizado com aquele gesto tão inesperado. Fez-me acreditar que a natureza humana tem destas coisas fenomenais, mudando por completo o curso do nosso dia. Para além de me ter ajudado na hora, inspirou-me naquele dia a dar o meu melhor em todas as situações para com os outros, permitindo-me iniciar naquele dia o meu “efeito dominó de boa-vontade”, tal foi o poder inspirador da ação deste senhor, funcionário da Câmara Municipal de Sintra cujo dever não é, nem de perto nem de longe, ajudar pessoas no parque de estacionamento do Serviço Básico de Urgência de Sintra com um chapéu de chuva, molhando-se completamente e indo muito para além do seu dever enquanto porteiro deste serviço. Foi de tal forma “contaminante” este gesto que decidi escrever uma carta à Câmara Municipal de Sintra, mais propriamente ao Departamento de Recursos Humanos, explicando o sucedido e tecendo algumas considerações sobre o gesto deste funcionário da CMS. Damos muito mais importância à reclamação. Damos mais atenção aos nossos direitos e esquecemos os nossos deveres. Era minha obrigação, meu dever, usar o “Livro de Elogios” enaltecendo esta pessoa que tinha a seu cargo a portaria daquele serviço. Fez-me sentir bem comigo próprio e senti que o mínimo que poderia fazer seria dar a conhecer ao departamento correspondente o que este funcionário da CMS fazia aos utentes daquele serviço. Passo com regularidade a este serviço mas nunca mais vi este senhor, reformou-se ou mudou de serviço, pensava eu. Sempre que lá passo ainda me lembro do sucedido.

O Sr. António! Olhei para ele e cumprimentei-o, com um:
- “Passou bem Sr. António?” Olhou-me com ar interrogativo e perguntou:
- “De onde é que eu o conheço?”
- “De Mem Martins, Sr. António, do Serviço de Urgência onde o senhor trabalhava.”
-“ Mas você é de Mem Martins?” perguntou-me de imediato.
-“ Não, Sr. António. Trabalho lá. Aqui há uns anos o senhor ajudou-nos enquanto chovia…”
-“ Já sei.” Atalhou de repente. “Vocês estavam num Peugeot branco pequenito. Quantos anos tem o seu rapaz?” Inquiriu.
-“Já fez 21, Sr. António”. Respondi-lhe
-“Pois é. O seu filho era menor e não pôde ser atendido. Lembro-me bem. Já me reformei há quatro anos.”
-“E eu enviei uma carta…”
-“Eu sei, eu sei…” Apressou-se. “Chamaram-me aos recursos humanos e mostraram-me a carta. Você é de Fontanelas, não é? Tenho lá a carta que você enviou. Fui chamado ao Presidente Fernando Seara. Recebi um louvor.”
Enquanto esperava que o meu pai fosse chamado para a triagem ainda fui apresentado à esposa do sr. António:
-“Este é o tal sr. que enviou a carta à Câmara, foi lá com o filho …”

Obrigado Sr. António. Se todos nós tivéssemos a sua bondade e generosidade, este “efeito dominó” de coisas boas contagiaria todos e estaríamos num mundo muito melhor. Como o mundo é muito pequeno, tenho a certeza de que nos encontraremos novamente, desde que não seja num qualquer serviço de urgência.

Obrigado

Carlos Camacho

Nenhum comentário:

Postar um comentário