quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

3º Capítulo - Diário - Viagem China



3º Capítulo - Diário

15 de Março de 2005 - Terça Feira

Trrrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmm.
“Tou sim?”.
“Então, pá. Já estás deitado? Tão cedo?”
Pois… Esqueci-me de tirar o som ao telemóvel e em Shenzhen o fuso horário é ligeiramente diferente. Ligeiramente… 7 horas.
Pequeno almoço. O Master Club Hotel era um hotel para chineses, sem quaisquer pretensões de atingir uma clientela internacional. Tudo estava feito para o modo de vida chinês. Não tinham pequeno-almoço que me cheirasse, o que me levava para a rua à procura de bancas com pãezinhos cozidos no vapor, crepes ou fruta. Nem sequer a ementa era legível.
Depois de levantar cedo, fazer o “Check-Out” (Check-Out sim, porque estou muito inglesado) pedi à recepcionista para me chamar a gerente, pois queria que o bilhete de avião fosse marcado por alguém que eu percebesse e fosse percebido. Muito solícita, lá apareceu a gerente que tratou tudo ao telefone com alguém do outro lado da linha. Tudo bem, 1210 RMB (cash) do lado de lá, 1 hora à espera e bilhete do lado de cá. Táxi para o aeroporto de Shenzhen, onde iria apanhar o avião para Ningbo, 1000 km acima na provincia de Zhejiang. Após o motorista do táxi ter posto 30 vezes a minha vida e a dele em risco, lá chegamos ao aeroporto, onde era suposto embarcar às 11.30 e só embarquei às 15.00, por questões não esclarecidas. Aqui deu direito a máquina raio x, revista à mala de mão, abrir a garrafa de água e cheirar (porque poderia ser uma arma mortífera disfarçada de simples água), revista com detector de metais tipo pórtico e também manual, depois de me terem posto em cima de um tamborete preparado para o efeito (parecia um elefante em cima dos adereças do circo a ser examinado à lupa). Viagem porreira.
Chegado a Ningbo, a mesma ravienga aos taxistas, nunca aceitar os que se oferecem. Lá segui direitinho ao hotel previsto: “No Loom, Solly”. Olha o cabrão, nem olhou para mim. Dirigi-me ao da frente. A mesma treta “No Loom, Solly”. Fui à pasta “hotéis Ningbo” e népia.. Descobri mais tarde a razão de estar cheio. Tal como eu, grande parte dos clientes de hotel procura na net alojamento com uma boa relação qualidade/preço, tendo em conta o número de estrelas que o hotel tem, embora também viesse a perceber que o que é anunciado é uma coisa e o que apresentam não tem nada a ver. Se virem o Master Club Shenzhen ( http://www.sinohotelguide.com/shenzhen/master/ ) até parece ter bom aspecto e habitável. Parece. Não tinha previsto este percalço para Ningbo.
Fez-me lembrar Londres em Agosto de 1983. Um mês depois de lá estar, arranjei um quarto melhor e mais barato. Fiz a mudança dos trapos durante o dia e fui para o restaurante onde trabalhava. Fixe. Fixe se o encontrasse à uma da manhã, quando saí do trabalho. Fartei-me de procurar e não encontrava o Imperial College, em Evelyn Gardens. Encostei-me num banco até de manhã e ao raiar da aurora com luz do dia foi fácil.
De repente vi-me na rua, quase de noite, sem hotel. Dupla dificuldade. Táxis sempre ocupados e transeuntes que só falam chinês. Mas eis que passa uma alma caridosa que arranha qualquer coisa de inglês e me escreve o nome de um hotel num pedaço de papel que, segundo ele, era bom e barato. Lá passou um taxista que parou e eu, triunfante, mostrei-lhe o que estava escrito no papel. O taxista olhou, tornou a olhar e perguntou-me : “O bae la, o bae ca ?” e eu muito convictamente lhe respondi : “o bae la”. Erro. Quando dei por mim estava no meio de um subúrbio do mais manhoso que vi em toda a China e já tínhamos andado meia hora para “lá” e estava a anoitecer, até que o mandei dar a volta, “O bae ca Ningbo” (perceberam?), ao que ele perguntou :”Ninbo ca?” e eu “Oué”. Consegui, em pleno traço duplo contínuo, com camiões, bicicletas, automóveis, motorizadas a passar como fosse o ultimo dia da vida deles, eis que vai de virar e quem quiser que espere. Triplicou o número de buzinadelas que deveriam estar nos 2000 decibéis. Completamente de noite, meia hora e 120 RMB depois estava em frente a um hotel de 5 estrelas que não tive coragem de deixar e pagar 900 RMB (arrota que é pescada!!!). Não tem nada a ver com o Hotel d 5 estrelas mas tem que ser mencionado: o Escarro. Sim, isso mesmo, os chineses passam a vida a puxar a escarreta e a largá-la ao sol. Faz parte do esquema social, a velha escarreta, bem puxada, com direito a bolhinhas e tudo, tipo bola de sabão.
Este hotel tinha uma espécie de bar americano dando ares de saloon texano, onde o Bruce Springsteen e o Kenny Rodgers se cruzavam na barulhenta aparelhagem sonora. Era um sítio que cerveja Budweiser e mesas de snooker deveriam ser unha com carne. De facto, para ser completamente piroso só faltava o carrão descapotável americano, cor-de-rosa e com estofos forrados de pele de vaca, alojando duas louraças mamalhudas em biquíni reduzido.
Estes dias cansam muito. Para fechar a noite só mesmo um cafezinho, curto, com espuma castanha, perfumado. Fiz questão de me dirigir ao balcão e ver, a par e passo, o evoluir da tiragem do dito. Hotel de cinco estrelas tem tudo. Até máquina expresso para os clientes ocidentais, pensei. Havia já alguns dias que não cheirava nada que se parecesse com “bica”, pelo que não poderia descurar esta parte.
“Expresso coffee????” Small, (fazia eu os gestos com o polegar e o indicador da mão direita), half cup.
“Oué! Caffee”.
Hotel 5 estrelas, estão habituados, a malta que quer café, estes gajos sabem o que é que os clientes querem, têm formação, conhecem a oferta global, têm um bom serviço, são atenciosos, vão de encontro às necessidades do cliente, qualificam, têm cada vez mais gente cá, não se podem dar ao luxo de impingirem qualquer treta, não são nada burros, são empresários, compreendem os mecanismos da lei da oferta e da procura, uma máquina expresso não é assim tão cara, os italianos são uns furões do caraças e já estão a exportar para a china há montes de tempo, etc e tal …
Interrompi os meus pensamentos quando, à minha frente, a funcionária coloca uma chávena vazia e saca de uma cafeteira com uma espécie de água choca e enche o “balde”. Nem cheirava a nada.
O que valeu é que o quarto era mesmo bom.


Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz…

Continua...


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