1º Capítulo - Diário
13 de Março 2005 - Domingo
Hong Kong. Cheguei ao Oriente depois de 10 horas de voo. Neste tipo de viagens, chegamos a uma altura que vamos à casa de banho apenas para quebrar a monotonia do assento. A excitação tipo criança provocada pela expectativa da viagem, fez com que não pregasse olho durante toda a viagem.
Trocar Euros por Hong-Kong Dólares e apanhar o comboio para o centro.
Trocar Euros por RMB chineses foi depois de ter contactado um Táxi onde me apercebi de uma especial habilidade que os chineses têm para a condução “tipo circo“, mas achei que talvez fosse pelo facto do motorista estar com pressa. Apanhar o comboio para Shenzhen foi relativamente simples, pois estava ainda no “Ocidente”.
O processo de entrada na China propriamente dita foi algo dantesco. Estamos a falar de um controlo policial ao mais alto nível, com direito a revista, raios X, análise aos globos oculares para detecção de possíveis doenças associadas à “Gripe das Aves “ que, à data, já fazia parte das notícias de telejornal. Também a divisão física Hong Kong / China foi algo marcante. Deixamos o Ocidente e entramos no Oriente. A fronteira era bem visível, literalmente. Arame farpado, barreiras de aço, linha de água, barreiras de betão, tudo policiado por um contingente altamente armado e ameaçador. Após o controlo de entrada, procurar Hotel.
Começou a aventura.
Primeiras dificuldades: Ninguém fala inglês e os que arranham alguma coisa é com uma pronúncia execrável, que muito dificilmente se percebe, mas pior ainda, não percebem o que lhes dizemos nem com gestos.
Depois de me ter desviado de dezenas de oferta de táxis manhosos, pareceu-me prudente procurar uma estação oficial dos ditos, bem enunciada nas placas da estação, em inglês. Durante esta “peregrinação” fui sendo constantemente abordado por miúdos carregadores de bagagens a pedir para me levar as malas. “Onde estou eu metido!!!”, pensava com os meus botões. Foi um impacto muito negativo. Não conhecemos ninguém, não nos conseguimos entender com ninguém, estamos fora da nossa área de conforto, estamos vulneráveis a um ambiente aparentemente hostil (felizmente vim a verificar que era perfeitamente seguro andar por todos os sítios sem qualquer problema de segurança).
Taxistas e táxis da China. Não dá para descrever mas é do tipo… falar ao telemóvel, beber, fumar, conduzir, coçar a micose, mirar o sexo oposto no passeio, passar sinais vermelhos, tudo, sempre, ao dobro da velocidade do permitido e em simultâneo. E eu tipo peixe fora de água.
O Hotel que indiquei ao taxista estava convertido numa caserna mal amanhada da policia chinesa que trabalha à paisana, ao qual o “recepcionista” com um Walkie-Talkie na mão me disse “Solly”, após ter percebido que eu vinha ao engano (baseado num anuncio na internet com direito a tradução para inglês, fotos dos quartos, da fachada do edifício) e pelo facto de ser ocidental tinha direito a um pedido de desculpas: “Solly”. Lá segui viagem no mesmo táxi à procura de um novo hotel equivalente, que felizmente tinha tido o cuidado de trazer registado na pasta “Hotéis Shenzen“ como suplente, “just in case”, bastante útil como se veio a verificar.
Lá mostrei ao motorista a alternativa com tradução para chinês e este percebeu onde era. Shenzhen tem algumas centenas de prédios com altura superior a 30 andares, alguns dos quais com 40 ou mesmo 50 pisos, como de resto todas as cidades da China, com populações acima dos 5 Milhões de habitantes. Todas crescem em altura, já que em largura é difícil. A China é muito montanhosa e todos os espaços são aproveitados. Os socalcos da cultura do arroz são um belíssimo exemplo que, infelizmente, não tive oportunidade de visitar.
Aí, ainda eu não tinha percebido que é muito difícil para um Ocidental fazer-se entender por estas bandas. Só comecei mesmo a perceber na recepção do Master Club, assim se chama a minha guarida de 13 para 14, quando dos 3 recepcionistas, 1 bagageiro, 6 raparigas perfiladas que abrem a porta do hotel e em coro dizem qualquer coisa parecido com xim pam pum, mais um ror de gente que por ali andava, ninguém dava cavaco de nada que não fosse, literalmente, chinês (cantonês).
A muito custo lá me fui fazendo entender, até que uma das recepcionistas se lembrou de chamar a gerente, que ao telefone, esclareceu as coisas.
Porreiro, suite 602, com vista para a rua e direito a cozinha com sala mobilada e tudo, mas o problema é que havia ali qualquer coisa que não me cheirava bem, mesmo cheiro, esgoto, cada vez que ouvia água a correr nos esgotos lá vinha o cheiro. Depressa tive que me habituar, pois nas ruas, nas escadas dos prédios, em todo o lado, cheira a esgoto e a uma porra de um cheiro a comida que ainda não consegui identificar, mas que enjoa que se farta, enjoa.
Havia também certos pormenores como por exemplo a escada de serviço parecia nunca ter visto lixívia, bem como o chão da cozinha, da casa de banho, os acabamentos não existem em nada, desde que sirva… está bom. O esquentador no duche, a 50 cm do utilizador do chuveiro. Conseguir que este trabalhasse foi uma autêntica epopeia técnica, pois só após 10 minutos de atenta pesquisa lá descortinei como é que este se mantinha aceso por mais de 10 segundos, a proporcionar uma água ora a ferver , ora a roçar o frio.
Após um duche reconfortante fui dar uma volta pelas redondezas e ao sair do quarto tomei o elevador. Carreguei no que me pareceu ser a saída. Assim que as portas do elevador se abriram, achei estranho o visual do hall, quando dei por mim estava na recepção duma esquadra de polícia, desta vez fardada. Assim que o sentinela me viu, deslocou-se cordialmente para mim e, estendendo o braço acompanhou-me na direcção do outro elevador, este com paragem no sitio certo, B1, aqui percebi que o bagageiro me tinha tentado dizer qualquer coisa “One” quando me tinha levado a mala ao quarto.
Após todas as tropelias, comer qualquer coisa e … cortar o cabelo.
Cortar o cabelo é das coisas mais fascinantes e baratas que se pode ter na China (30 rmb, ou seja 3 euros, com direito a massagem do couro cabeludo, massagem nas costas, no pescoço, nas orelhas, nos braços, na coluna, nas mãos, tudo isto ao longo de mais de uma hora. O que é facto é que saí de lá novinho em folha, depois de ter posto todas as massagistas e barbeiros a rir que nem perdidos durante todo o tempo que lá estive.
Para completar o ramalhete só faltavam os pés. Não é tarde nem é cedo. Entre dezenas de oficinas de automóveis, dezenas de vendedores de bebidas alcoólicas, volumes de tabaco, oficinas de mármore e lojas de tudo e mais alguma coisa, lá desencantei uma casa tipo templo com pessoas viradas para uma imagem na parede e com os pés em cima de uma maquineta que vibrava que se fartava, ao mesmo tempo que seguram com as duas mãos dois terminais metálicos ligados por fios à tal “ maquineta infernal “. Foi só olhar duas vezes e já o dono do “estaminé” me convidava a sentar num banco de plástico azul, que me pareceu aguentar-se intacto com a ajuda dos deuses retratados na parede, apesar dos meus 130 kg (à data tinha este peso).
Pareciam agulhas a espetarem-se na sola dos pés. O que é facto é que bastaram 5 minutos para “flutuar”, sensação que me ficou quando pousei os ditos cujos descalços no tapete coçado da sala virada para a rua.
Resta dizer que o proprietário só falava chinês, bem como todos os outros ocupantes do espaço terapêutico e riram que se fartaram quando me viram naqueles amanhos. Ocidental, anafadinho, pouco à-vontade e novo no local a experimental algo. Eis os ingredientes necessários para pôr chineses a rir. Depois da missão cumprida, levantei-me e fui com a mão ao bolso para pagar o que fosse, ao qual o gerente da casa me agradeceu “Tak yu, tak yu”, pelo que percebi que não queria que lhe pagasse, indicando-me no tapete a palavra “Welcome”.
Lá fui à vida, comendo uma peça de fruta aqui outra ali e com pouca fome lá entrei num “fast-food” desconhecido e comi uma treta qualquer que sabia bem e não foi caro, diria mesmo barato. Curiosa forma como a mímica não é exactamente igual em Portugal e na China. Junto de uma banca de rua que vendia fruta, pedi uma maçã com um gesto que em Portugal seria compreendido. Com o dedo indicador apontei para a maçã e, de seguida, levantei o mesmo, ficando na vertical, no meu entender dava a indicação de se tratar de uma unidade. A senhora entendeu este gesto como eu estando a apontar para o céu e seguiu a indicação, olhando para cima e de seguida olhou-me novamente com ar interrogador e desconsertado.
Curiosa é a forma como se implantou o KFC- Kentucky Fried Chicken, às dezenas em cada cidade, sendo um sucesso de vendas na China, com casas sempre cheias. Foi-me dito posteriormente que é necessário um investimento de 1 Milhão de Dólares em cada novo restaurante franchisado. Sendo a China um grande consumidor de carne de aves, o KFC está como frango na capoeira. É só facturar.
Já na rua, procurei algum sítio onde pudesse beber um cafezinho para compor o ramalhete. Não foi fácil mas entrei em algo parecido com um bar ocidental e perguntei “coffee”? Resposta: Yes. Espectáculo. Até têm café e tudo!!! Maravilha. Deitei foguetes antes da festa. Levei com um abatanado clarinho, tipo café americano em copo de cartão. Foi melhor do que nada. Havia já mais de 24 horas que o café não fazia parte da minha dieta.
Regressei ao Master Club, o hotel .
O cheiro, a “bezuntice”, o esquentador e muitas mais coisas não me tiraram o sono, nem mesmo o buzinar continuo dos chineses, sempre, sempre, sempre, que desta vez até serviu de canção de embalar. Tiro e queda.
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Continua…
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